sábado, 12 de março de 2011

As Musas de um Poeta - Por João Antônio Bezerra Neto

Walflan retratado por Newton Navarro
Walflan retratado por Newton Navarro
A presença da mulher na poesia de Walflan de Queiroz [1930-1995] é um dos temas predominantes na sua trajetória lírica. O poeta potiguar vivenciou paixões platônicas transfiguradas em versos que retomam a tradição romântica e simbolista de celebrar a Amada. Paixões e Amores irreconciliáveis. Amores tristes e sublimados.
Partilha suas paixões e suas inquietações existenciais com a leitura de poetas que admira, como John Keats, Shelley, Edgar Allan Poe, Hart Crane, Hölderlin, Rimbaud. O cânone ocidental exerce sobre o poeta Walflan uma inegável “angústia da influência”.
“Conheci Walflan de Queiroz antes e depois de sua aventura no mar, um mar amargo e sonoro que o impregnou de sal e de melodias distantes e nostálgicas”. Com estas palavras, o escritor Luís da Câmara Cascudo saudava o poeta e o seu livro de estreia, O Tempo da Solidão, publicado no ano de 1960, em Natal. Essa referência à aventura marítima não é ao acaso, uma vez que havia sido marinheiro mercante na juventude, tendo embarcado em cargueiros.
O Tempo da Solidão traz vivências do poeta e a partir delas ficamos sabendo da sua conturbada vida amorosa. Surgem as primeiras musas: Irene e Tereza. Na “Elegia para Irene”, proclama: “Deus fez primeiro a ti, depois o mar azul”. Noutro poema, a “Elegia para Tereza”, busca o enfoque espiritualista: “Tereza. Para mim, o eterno manuscrito da caça espiritual”. No poema “Angústia”, afirma convicto: “O que é romântico não pode desaparecer da vida nem da morte”.     
A mais conhecida de suas paixões resultaria em um livro rico de símbolos e de metáforas que retratam no plano emocional o sentimento amoroso. Estamos falando de O Livro de Tânia, lançado em 1963. Tânia, no texto poético, como a musa inspiradora, assume a função de um vocativo deflagrado em versos de acentuada melancolia a começar pela força misteriosa da dedicatória que se acha nas primeiras páginas: “Eis o teu livro, Tânia. O mar já não existe. E as rosas que te dei naquela noite de dezembro estão, tristes. Esperam pela tua ternura. Tocadas, como são, pelo orvalho e os ventos das manhãs”.
Tânia é a principal musa da sua poesia lírico amorosa. A sua Beatriz, a sua Ofélia, a sua Marília, a sua Annabel Lee, enfim, a Eurídice de seus versos. Tudo que possa representar o drama do Amor evocado pela literatura e pelos mitos Walflan de Queiroz absorveu através de uma dicção poética muito pessoal. Um exemplo, o poema a seguir:

A TÂNIA, NUMA TARDE DE CREPÚSCULO MÍSTICO

Esta tarde meus olhos estão cansados de te esperar
E de te desejar na tranquila paisagem do porto,
Onde os barcos balançam mansamente sob o crepúsculo.
Esta tarde eu te ouço no murmúrio das águas, no vôo
Da gaivota, quando desfalece em mim a visão da retirada ilha.
Esta tarde meu coração adormece docemente em tuas mãos
E penso no silêncio das estrelas e dos teus olhos.

            A descrição revela elementos típicos do simbolismo. A sugestão do crepúsculo tingindo o céu, o cenário do porto, dos barcos, o murmúrio das ondas, a imagem da gaivota, tudo isso são metáforas que fazem o poeta sentir a presença da Amada.   
Em 1965, publica O Testamento de Jó, dando continuidade ao lirismo sofredor, mas também aos temas religiosos. O seu livro é um divisor de águas dentro do conjunto de sua obra poética. Dedicado a Yahvé, marca o início da sua lírica voltada definitivamente para o Sagrado, para o Mistério, para o Absoluto. E, assim, no poema “Solidão de Jó”, revela a natureza mística de sua alma: “Fui criado como Jó, antiquíssimo antepassado bíblico, / E vivo entre a minha solidão e a sabedoria de Deus”. 
A partir de então, o discurso amoroso dividirá espaço com o discurso religioso, estendendo-se essa tendência para o restante de seus livros. Nesse sentido, a nova figura feminina surge ao lado dos já conhecidos nomes de Irene, Tereza e Tânia. Temos um punhado de poemas dedicados a Herna. Para a sua musa, o poeta dado a paixões arrebatadoras, declara: “Eu te amo / Como a única lágrima, / Como a morte em prontidão”.
Consciente de sua paixão não correspondida, amargurado por saber que não terá respostas consoladoras, busca então algum amparo divino, como percebemos na última estrofe do poema “Tristezas para Herna”:

Eu não me lembrei
De ti, Herna
Senão
Quando chorei,
Quando roguei,
Quando pedi
A Deus
Que entendesses
Minha tristeza.

Noutro poema, intitulado apenas “Para H.”, desabafa: “Tu nunca entenderás o mistério do pássaro. / Porque o pássaro é sol, nostalgia do Infinito”.
Os poemas sentimentais, por exemplo, estão presentes em seu livro, A Colina de Deus, publicado em 1967. O poeta expressa os seus lamentos, as suas queixas, recordando constantemente as suas paixões. Ele não consegue se libertar delas, como neste poema, cuja estrofe final diz:

Três amores
E uma solidão.
Irene azul.
Tânia amarga
E Herna triste.
                                  
O poeta evoca Irene, Tânia e Herna que representam a trindade afetiva e amorosa do seu espírito de romântico angustiado. Essa trindade se mistura ao discurso místico do poeta à medida que avançamos na leitura de seus livros. Em Nas Fontes da Salvação (1970), o eu lírico diz: “Chorei como Jeremias, sofri como Jó, / Por isso não me reconhecerás, Irene”. Para Tânia, escreve: “Em vão interroguei a Noite, / Em vão interroguei os astros, / Que me falaram de ti”. Para Herna, declara: “Pura / Como uma palavra, / Saída da boca de Jeová”. 
Apesar da presença cada vez maior do discurso para Deus, em Aos Teus Pés, Senhor (1972), o diálogo com as musas ainda continua em poemas como “Para o meu único amor” e “Noturno para Herna”. Na última fase de sua obra poética, que compreende os livros A Fonte de Zeus (1974) e A Noite de Allah (1977), o poeta parece ter renunciado os seus amores.
No entanto, não há como negar que a imagem da mulher idealizada e amada platonicamente representa um significativo eixo temático na poesia de Walflan de Queiroz. Irene, Tereza, Tânia, Herna e tantas outras são lembranças que ficaram presas em seu imaginário poético. No derradeiro livro, A Noite de Allah, influenciado pela teologia islâmica, cantou: “Do Gênio, quero um palácio azul / E Irene”.    
João Antônio Bezerra Neto
Pesquisador

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