segunda-feira, 30 de maio de 2011

Walflan de Queiroz | Poema em Outubro

O grande mérito de Walflan de Queiroz, fonte de seus poemas, foi sua vivência integral da poesia, sua dedicação sem concessões ao seu talento e compreensão. Irmanava-se aos poetas que lia, andava com eles pela cidade. Dono de um temperamento boêmio e passional, a um só tempo contemplativo e tempestuoso, não distinguia entre o que havia lido e o que vivia. Sua vida estava permeada por leituras que conduziam seu olhar ao mundo e moldavam sua forma de experimentá-lo. Muitas vezes, tornavam-se atitudes concretas, como a decisão de partir para o mar num navio mercante. Experiência que por sua vez ressurgiria na sua poesia e a influenciaria. Em toda sua obra, o mar é um dos signos deste trânsito permanente entre o simbólico e a própria vida, a experiência sensorial e suas representações. São inúmeros os poemas onde ele é referido ou utilizado em imagens, metáforas e comparações. Noutros, sua vaga presença é apenas intuída e sugerida, como neste Poema em Outubro [Márcio Simões]

à Deusa da Poesia
Um distante silêncio, vindo das devastadas mansões do tempo,
Vem ao meu encontro, e, como suave neve, como delicada chuva em Outubro
Molha a solidão de minha noite fria.
Graças a ele, penso tristemente nos mortos e amantes que se foram
Como irradiante réstia de sol, como água que corre dos rios
E me traz o aroma das margaridas adolescentes, o brilho de peixes de cristal.
Estes mortos nos quais eu penso, andaram por ilhas, conheceram baías verdes,
E como vulcões, ergueram suas chamas ardentes contra o céu.
Um distante silêncio desce das devastadas mansões do tempo, molhando minha solidão.

Um Poeta e sua Vida | Por João Antônio Bezerra Neto

      Se vivo fosse, o poeta potiguar Walflan de Queiroz (1930-1995) estaria completando 81 anos de idade, nesse mês chuvoso de maio. Nascido em São Miguel, cidade de paisagem serrana, onde se desponta a fascinante Serra do Camará, na região do Alto Oeste, veio com a família, ainda muito criança, residir em Natal. Estudou no Atheneu, na década de 40, a época situado na rua Junqueira Aires. Lá participou das lutas estudantis bem como dos grêmios literários. 
 Frequentou a tradicional Faculdade de Direito do Recife, onde obteve o título de Bacharel em 1956. Tendo ingressado na marinha mercante, viajou pela América do Sul e ilhas caribenhas. Não se sabe ao certo o número de suas viagens, mas elas foram importantes para a sua vida e até certo ponto para a sua obra poética.
Em Natal, vivenciou a boemia de uma época, construindo ao mesmo tempo a sua obra literária nos jornais e nas revistas, com poemas, crônicas, artigos. Publicou oito livros de poesia, a saber: O Tempo da Solidão (1960), O Livro de Tânia (1963), O Testamento de Jó (1965), A Colina de Deus (1967), Nas Fontes da Salvação (1970), Aos Teus Pés, Senhor (1972), A Fonte de Zeus (1974) e A Noite de Allah (1977).
De maneira didática, a sua obra poética pode ser divida em dois grandes eixos temáticos, que representam dimensões caracterizadoras, formando uma certa unidade ao manter entre si relações estéticas: o primeiro eixo seria a poesia lírico-amorosa em que predomina uma retomada de temas muito próximos da tradição romântica e simbolista; o segundo seria a poesia lírico-religiosa pela expressividade de seus poemas de natureza mística e bíblica que expressam a devoção, a admiração e a reverência a Deus e a seus nomes equivalentes extraídos de várias tradições religiosas (judaico-cristã, islâmica e hindu).  
O poema que transcrevemos para efeito de exemplificação foi dedicado a uma de suas paixões platônicas, a figura emblemática de Tânia, motivo poético que resultou em um dos mais belos livros de poesia amorosa publicado no Rio Grande do Norte:
 
BALADA A TÂNIA

Tânia, Tânia,
Minha é a rosa,
Teu é o poente,
De sangue e de coral.

Tânia, Tânia,
Minha é a concha,
Teu é o pássaro,
Azul do meu sonho.

Tânia, Tânia,
Minha é a solidão,
Teu é o peixe,
De ouro e de cristal.

Tânia, Tânia,
Teu é o mar,
Meu é o rio,
De jade e de turquesa.

Tânia, Tânia,
Meu é o vento,
Teu é o pomar,
Que me traz tristeza e solidão.

(O Livro de Tânia, p. 81-83)

Antonin Artaud | A Anarquia Social da Arte

A arte tem um dever social que é o de dar saída às angústias de sua época. O artista que não tem ocultado o coração da época e que ignora que o artista é um bode expiatório, cujo dever consiste em magnetizar, atrair, trazer sobre seus ombros as cóleras errantes da época para descarregá-la de seu mal-estar psicológico, esse não é um artista.

As épocas têm, como os homens, um inconsciente. E essas partes obscuras da sombra de que fala Shakespeare têm também uma vida sua, própria, que é preciso extinguir.

Para isso é que servem as obras de arte.

O materialismo de nossos dias é na realidade uma atitude espiritualista, posto que nos impede de alcançar em substância, para destruí-los, aqueles valores que escapam aos sentidos. O materialismo chama “espirituais” a esses valores e os descuida, e eles envenenam entretanto o inconsciente de uma época. Não é espiritual nada que possa ser alcançado pela razão ou pela inteligência.

Temos meios de luta, mas nossa época está a ponto de perecer porque se esquece de empregá-los.

A revolução russa, em seus começos, fez uma verdadeira carnificina de artistas, e todo o mundo se levantou contra esse menosprezo dos valores espirituais que pareciam significar os fuzilamentos da revolução russa.

No entanto, olhando melhor, qual era o valor espiritual dos artistas fuzilados pela revolução russa? Em que manifestavam suas obras, escritas ou pintadas, o espírito catastrófico dos tempos?

Os artistas são responsáveis, hoje mais do que nunca, pela desordem social de sua época, e se os artistas tivessem sentido verdadeiramente sua época, não teriam sido fuzilados pela revolução russa.

Pois em todo sentimento humano autêntico existe uma força rara que impõe respeito a todo o mundo.

Durante a primeira Revolução francesa se cometeu o crime de ter guilhotinado André Chenier. Mas em uma época de fuzilamentos, de fome, de morte, de desespero, de sangue, e quando nada menos que o equilíbrio do mundo era o que estava em jogo, André Chenier, perdido em um solo inútil e reacionário, pôde desaparecer sem perda nem para a poesia nem para seu tempo.

E os sentimentos gerais, eternos de André Chenier, se os teve, não eram tão gerais, nem tão eternos, como para justificar sua existência em uma época em que o eterno desapareceria sob inúmeras preocupações particulares. A arte, justamente, deve tomar as preocupações particulares e elevá-las à altura de uma emoção capaz de dominar o tempo.

Mas nem todos os artistas são capazes de chegar a esta espécie de identificação mágica entre seus sentimentos próprios e as cóleras coletivas do homem.

Da mesma maneira que nem todas as épocas são capazes de entender a importância do artista e a função de salvaguarda que o artista exerce a respeito do bem coletivo.

O menosprezo dos valores intelectuais está na raiz do mundo moderno. E esse menosprezo esconde, na realidade, uma profunda ignorância da natureza de tais valores. Mas eis aqui uma coisa que não devemos nos esforçar por fazer entender em uma época que, do lado dos intelectuais e artistas, produz uma grande proporção de traidores, e que, do lado do povo, tem engendrado uma coletividade, uma massa que não quer saber que o espírito, isto é, a inteligência, é que deve guiar a marcha do tempo.

O liberalismo capitalista dos tempos modernos tem relegado os valores da inteligência ao último plano, e o homem moderno, posto ante as quantas verdades elementares que acabo de assinalar, atua como uma besta ou como o homem enlouquecido dos primeiros tempos. Espera, ao se preocupar com estas verdades, que se convertam em atos, que se manifestem por terremotos, fomes, guerras, quer dizer, pelo estrondo do canhão.
Tradução de Lucas Fortunato (lucasfrm@bol.com.br)

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Antilogia Subterrânea

Capa por Lee Vieira
Antilogia Subterrânea é uma coletânea de produções poéticas e imagéticas de uma turma de amigos e afins que se conheceram na época da graduação em Ciências Sociais na UFRN. O livro foi organizado por Lucas Fortunato e lançado em 2004 pela Ed Subterrânea. Baixe AQUI.

O subterrâneo permanecerá imune e insubmisso, estando sempre para além das nossas simplórias sinapses

sábado, 14 de maio de 2011

Revista Preá

Já está on-line a nova edição da revista Preá, da Fundação José Augusto. Confira Aqui.

A edição, que marca o retorno da publicação, é temática, sobre poesia norte-rio-grandense e está um primor, mas se você não tiver sobrenome escrito na testa nem se arvore a ir à Fundação pegar um único exemplar. A moçada está segurando os exemplares restantes para “distribuição interessada”. [MS]

sábado, 7 de maio de 2011

Aldo Pellegrini | Sobre a Contradição


Se estendo uma mão encontro uma porta
se abro a porta há uma mulher
então afirmo que existe a realidade
no profundo da mulher habitam fantasmas monótonos
que ocupam o lugar das contradições
para além da porta existe a rua
e na rua poeira, excrementos e céus
e também essa é a realidade
e nessa realidade também existe o amor
buscar o amor é buscar a si mesmo
buscar a si mesmo é a mais triste profissão
monotonia das contradições
ali onde não alcançam as leis
no coração mesmo da contradição
imperceptivelmente
estendo a mão
e vivo. 
Tradução: Rodrigo Barbosa da Silva