quarta-feira, 30 de março de 2011

Gregory Corso | Poemas

Se estivesse vivo, Gregory Corso (1930-2001) teria feito 81 anos neste último sábado, dia 26. Corso compõe com Allen Ginsberg e Lawrence Ferlinghetti a tríade de poetas centrais do muito incensado, mas insuficientemente compreendido, movimento de renovação poética e literária ocorrido na segunda metade do século XX nos Estados Unidos, fazendo parte do núcleo que viria a ser conhecido por geração Beat. A poesia de Corso é a mais bem-humorada do grupo, com forte influência dos românticos e dos surrealistas, produzindo muitas vezes poemas impagáveis, de fatura primorosa, calcados numa imaginação delirante e sem-limites. Em sua lembrança, postamos aqui texto escrito por Patti Smith logo após sua morte, em janeiro de 2001, e 3 poemas, traduzidos por Márcio Simões e constantes do livro Gregory Corso – Antologia Poética, no prelo das Edições Nephelibata. [MS]

  RELEMBRANDO UM POETA
Patti Smith

Gregory Corso, a flor da Geração Beat, se foi. Colhido para prover a graça do jardim do Papai e todos no céu estão encantados e admirados. Encontrei Gregory a primeira vez na frente do Hotel Chelsea. Suspendeu o casaco e baixou as calças, expelindo expletivos Latinos. Vendo minha cara de espanto, sorriu e disse, “Não estou mostrando a bunda pra você querida, estou mostrando pro mundo”. Me lembro de pensar, sorte do mundo de ser exposto aos glúteos de um poeta de verdade.
E isso ele era. Todos que têm histórias, reais ou embelezadas, das legendárias travessuras de Gregory e de sua caótica indiscrição têm igualmente histórias de sua beleza, remorso e generosidade. Ele me notou de maneira carinhosa no início dos anos 70 porque o espaço em que eu vivia era similar ao dele – pilhas de papéis, livros, sapatos velhos, mijo em xícaras – uma desordem mortal. Fomos parceiros de crimes perturbadores durante leituras de poesia particularmente tediosas em St. Mark. Embora ralhassem conosco com razão, Gregory me aconselhou a espetar com minhas armas irreverentes e a exigir mais desses que se sentam diante de nós se dizendo poetas.
E sem dúvida Gregory era um poeta. A poesia era sua ideologia, e os poetas seus santos. Havia sido chamado e sabia disso. Talvez seu único dilema fosse às vezes perguntar, Por que, Por que ele? Nasceu em Nova York, em 26 de março de 1930. Sua jovem mãe o abandonou. O Garoto foi da casa adotiva ao reformatório e à prisão. Teve pouca educação formal, mas sua educação autodidata era ilimitada. Abraçou os Gregos e os Românticos, e os Beats o abraçaram, colocando folhas de louro em seus negros cachos rebeldes. Kerouac o sagrou cavaleiro como Raphael Urso, foi a alegria e orgulho deles e também sua mais provocativa consciência.
Nos deixou dois legados: um corpo de obra destinado a durar pela sua beleza, disciplina e influente energia, e suas qualidades humanas. Era meio Peter Rose, meio Percy Bysshe Shelley. Podia ser um rebelde explosivo, beligerante e desafiador, e ao mesmo tempo ingênuo como um garoto, humilde e cheio de compaixão. Estava sempre querendo se desculpar, compartilhar seus conhecimentos e aberto a aprender. Me lembro de vê-lo sentado ao lado da cama de Allen Ginsberg quando ele estava morrendo. “Allen está me ensinando a morrer”, dizia.
No começo do verão seus amigos se reuniram para lhe dizer adeus. Sentamos ao lado da sua cama na Horatio Street em silêncio. A noite cheia de estranhas correspondências. Uma filha que ele nunca tinha conhecido. Um mecenas de muito longe. Um jovem poeta aos seus pés. Numa tela sem som, Pull My Daisy, de Robert Frank, divulgado abertamente na TV pública – sem consciência de sua sincronia mística. Imagens dos “Papais”, jovens e loucos, preto e branco. Fotos de Allen afixadas na parede. O modesto quarto dominado pela poltrona de Gregory em toda sua glória surrada. Quantos sonhos pontuados pela fumaça dos cigarros. Ele estava morrendo. Todos dissemos adeus.
Mas Gregory, talvez pressentindo a devoção ao seu redor, tomou parte num verdadeiro milagre católico. Levantou-se. E foi reminiscências adentro o suficiente para ouvirmos sua voz, sua gargalhada, e algumas bem-vindas obscenidades. Pudemos escrever poemas e cantar para ele, assistir futebol e ouvi-lo recitar Blake. Ainda ficou aqui o suficiente para viajar até Minneapolis para encontrar sua filha, ser um rei entre crianças, ver outro outono, outro inverno e outro século. Allen o ensinou a morrer. Gregory nos lembrou de como viver e estimar a vida antes de nos deixar uma segunda vez.
No fim de seus dias, ainda sofria de um tormento de poeta jovem – o desejo de atingir a perfeição. E na morte, como na arte, vai atingir. A luz fresca derrama. Os garotos da rodovia o guiam. Mas antes de ascender a algum cartonado clarão sagrado, Gregory, sendo ele mesmo, suspende seu casaco, baixa suas calças e conforme expõe seus glúteos de poeta pela última vez, grita, “Ei, cara, beije minha margarida”. Ah Gregory, os anos e pétalas voam.
Bem nos quis. Mal nos quis. Bem nos quis.


A DIFERENÇA ENTRE OS ZOOLÓGICOS

Fui para o Hotel Broog;
e foi lá que me imaginei cantando a Ave Maria
pra um bando de Duendes grisalhos de pele cor de madeira.
Acredito em gnomos, em pigmeus;
acredito em converter o bicho-papão,
trazer a Medusa para Kenneth;
pedir a Zeus um olho novo pra Polifemo;
e agradeci cada homem que já viveu,
agradeci a vida o mundo
pela quimera, a gárgula,
a esfinge, o grifo,
Rumpelstiltskin –
cantei a Ave  Maria
para o Heap, o Groot,
o mugwump, Thoth,
o centauro, Pan;
Reuni-os todos no meu quarto no Broog,
o lobisomem, o vampiro, o Frankenstein
todos os monstro imagináveis
e cantei e cantei a Ave Maria
O quarto tinha de se tornar insuportável!
Fui ao zoológico
e oh Deus obrigado o simples elefante.
 
DESTINO

Eles entregam os decretos de Deus
sem demora
E são isentos de apreensão
e detenção
E com seu Dons Divinos
Petaso, Caduceo e Talaria
rompem como raios de relâmpago
desimpedidos entre os tribunais
do espaço e do tempo

O Espírito-Mensageiro
no corpo humano
é assinalado firme
confiante, fecundo,
perfeita existência poética
ao longo de sua duração na vida

Não bate
ou toca a campanhia
ou telefona
Quando o Espírito-Mensageiro
vem até sua porta
mesmo fechada
ele vai entrar como uma parteira elétrica
e entregar a mensagem

Não há relatos
através das eras
de que um Espírito-Mensageiro
tenha alguma vez tropeçado na escuridão

A BAGUNÇA TODA... QUEM SABE

Subi seis lances de escada
até meu pequeno quarto mobiliado
abri a janela
e comecei a jogar fora
as tais coisas mais importantes na vida

Primeiro, a Verdade, ganindo como um dedo-duro:
“Não! Direi coisas terríveis de você!”
“Ah, é? Não tenho nada a esconder... FORA!”
Depois, Deus, assombrado, corado e choroso de espanto:
“Não é culpa minha! Não sou a causa de tudo isso!” “FORA!”
Depois o Amor, aliciando subornos: “Você não conhecerá a impotência!
As garotas da capa da Vogue, todas suas!”
Apertei sua bunda gorda e gritei:
“Seu destino é um desvalido!”
Peguei a Fé, a Esperança e a Caridade
as três juntas abraçadas:
“Você não vai sobreviver sem nós!”
“Estou enlouquecendo com vocês! Tchau!”

Depois a Beleza... Ah, a Beleza –
Tão logo a levei até a janela
disse: “Você eu amei mais na vida
... mas é uma assassina; a Beleza mata!”
Sem querer realmente atirá-la
desci correndo as escadas
chegando a tempo de apanhá-la
“Você me salvou!” sussurrou
Coloquei-a no chão e disse: “Anda.”

Subi de volta as escadas
procurei o dinheiro
não havia dinheiro pra jogar fora.
Só restava a Morte no quarto
escondida atrás da pia da cozinha:
“Não sou real!” gritou
“Não passo de um rumor espalhado pela vida...”
Atirei-a fora com a pia e tudo, sorrindo
e então notei que o Humor
era tudo que havia restado –
Tudo que pude fazer com o Humor foi dizer:
“Com a janela fora pela janela!”

poemas: Gregory Corso
traduções: Márcio Simões

domingo, 27 de março de 2011

Sopa d'Osso | Dogma & Ritual

Sopa d’Osso electronic compositions

Dogma & Ritual
(clique para ouvir)

(processamento em MIDI de objetos, posteriormente montados usando MusiqueLab, reprocessado em editor Finale).

Dogma & Ritual tira seu título de um livro sobre magia, mas a magia que trata é puramente magia sonora, uma dialética musical em que o dogma se perfaz como sons reconhecíveis: o piano em enunciados rítmicos que no entanto não nega a sua mecanicidade (lembrando músicas mecânicas para pianola como praticado por Conlon Nancarrow ou Gyorgy Ligeti) e que evolui em processos complexos, revelando-se em materialidade puramente sintética, distorcendo a ilusão de sua realidade até não ser mais um som familiar. Ritual inicia-se por volta dos 6 minutos e meio, quase de propósito na seção áurea, o material de Dogma é, por assim dizer, transcendido, a complexidade vai se resolvendo em eventos massivos que caminham para uma dissolução, contração e expansão para o silencio. [Sopa d’Osso]

Entrevista Sol Negro | Sopa d'Osso

Sopa d'Osso
Você nasceu em São Paulo por acaso, de pais caicoenses, cidade para onde retornou aos 3 anos. Suas primeiras lembranças e criação foram lá. Acha que isso tem influência no seu caráter? De que forma te marcou?
        
     -Por acaso nascemos?! O acaso do Caicó?! A memória mais remota que tenho é tão viva que até o som daquele momento ainda revivo, deu-se em Caicó: a cidade silenciou, meu pai fechou o caldo-de-cana, me levou no cangote pra ver o homem pisando na lua, só se ouvia o som longe com chiados e o rumorejo meio assustado do povo na rua parado vendo o televisor... de S. Paulo lembro nada não! Sou seridoense em ânimo e alma, e Caicó é mesmo o umbigo do planeta.

colagem de J. de Lima
·         Com que idade você veio para Natal? Já estava envolvido com o punk?

      -Em 1985, desde 84 já me achava punk, em Natal editei o primeiro zine: Diário Punk de Natal, como tentativa de contatar punx por ali, assim conheci a galera dita “turma de baixo”: Rodrigo Hammer, Paulo Jorge Dumaresq, DD Thrash, nenhum deles punk, mas também Rómulo (Devastação), Samir e o Gato (skatistas), esse vinha da cena punk de Fortaleza, tão antiga e com uma história semelhante à cena paulista.

·         Quando você começou a escrever poesia? Qual era o contexto da cena literária da época?

     -Natal, foi a tal cidade que me obrigou, a princípio as letras da O.R.$.A. (Ódio Radical S.A., banda da qual fui guitarrista), antes escrevia alguma coisa que a minha irmã guardava e achava interessante, mas que pra mim era nada ou quase bilhetes perdidos com memórias vagas. Natal fervia de letras e artes: Festival de artes no forte dos reis, cooperativa de artistas plásticos, o NAC-UFRN com o setor de multimídias ( J. Medeiros)... era uma festa, sextas na UFRN e todos os dias nas vernissages, praia dos artistas, cidade alta, e os sebos.

·         O Antigo e kaótico livro de Sopa d’Osso, também chamado Prolegômenos aum apokalipsin da América, foi descrito por você como um “Pentateuco engenhoso de teologia poética”. É um livro místico-religioso marcado pela experimentação linguística, que se afasta do contexto histórico-social num mergulho radical na experiência pessoal do sagrado. Como você chegou até ele? O que escreveu antes disso?

     -É só um livro de poesia... que achegou-se-me... certamente deve  ter uma história, talvez não tão poética quanto se propõe... a culpa toda é de Vico... começou depois que li a Scienza Nuova... de outra parte é resultado caótico de uma experiência niilista: quando consegui me livrar de toda crença, menos das superstições. Antes escrevi: Sol enamorado de Negra Lua (Prosopoemas), Itakwatiararana (Poemas tortográficos), Aforismos Novíssimos Atlântides,  e mais uns textos esparsos que nem lembro mais.

fotomontagem de Jorge de Lima
·         Sei que parte das experiências recriadas no livro vieram da ocorrência espontânea de “sonhos lúcidos” ou “projeções astrais”, bem como de visões e percepções extra-sensoriais que lhe aconteceram, como você equaciona o que há de ficção e realidade nas criações textuais contidas no livro?

     -Sabo não, mas penso que o niilismo teve culpa também nisso tudo... essas experiências começam justo quando consegui um estágio máximo de esvaziamento, de descrença total e de revolta contra deus e o diabo, contra a humanidade, contra tudo, anti-tudo foi meu lema, odiava realmente e cresci com esse ódio até ficar tão tranquilo com ele ou sem ele, no momento em que não tinha mais com que me preocupar começam as doideiras: projeções, hiper-sentidos (ouvia o cosmos, as esferas!...enxergava de olhos fechados... cheirava espíritos... deglutia luz) e também um tipo de cinestesia que fundia todos os sentidos numa experimentação única...chamei de Focus, é como outro sentido, talvez o décimo sentido, tem parentesco com a visão, mas é mais sutil, comecei a estuda-lo e tenho “in progress” um outro livro chamado O Prático do Focus (no futuro serei lembrado por ter sistematizado essa percepção!), uma loucura bem interessante, mas que se tornou assustadora noutro tempo... do medo disso tudo talvez tenha partido, essa a realidade: a ficção ali é real mesmo... é ficção científica.

·         Em teu livro, enxerga-se uma forte mitologia em torno do que chamas “Novíssima Atlântida” e da fraternidade branca a par de uma forte crítica ao catolicismo em nome de um cristianismo quase pagão, herético. De que modo estes temas e posicionamentos coincidem com sua visão de mundo? Você pode explicitá-los um pouco mais? Que vem a ser esta Novíssima Atlântida, algum parentesco com a Nova Jerusalém de Blake e outros místicos?

     -A revelação que trata é da minha religião, se é que tenho uma, ou do meu processo, o mitológico é invenção para descobrir o velado, lembrar que o livro é “engenhoso”,  logo é só um jogo, jogo com palavras, religião poética, nunca igreja, jamais grêmio desportivo religioso... a Atlântida é novíssima por que já houvera uma “nova”(a de Bacon!), menos que pagã é total Abraxas, não uma utopia, mais uma transtopia: “um não lugar em nossas tementes mentes”, é cristã porém humana e totalmente anti-católica-apostólica-romana como é também anti qualquer igreja, é mesmo a mesma Jerusalém fabular, é pura invenção e por isso divina. Da fraternidade branca seio não... mas que ela existe, existe!

·         Qual o teu paradigma poético? Que poetas o constituem? Como determinas seus interesses nesse sentido?

-Toda poesia viva que seja ciência, história e filosofia: Vyasa,  o PopolVuh, o Ayvú Rapytá, a oralidade perdida e aqueles de quem ninguém ouviu falar... lógico:  Dante, Blake,  o Bandarra(Trancoso), Pessoa (todas as pessoas), Sousandrade e Miguel Cirilo. Todos escolheram o meu gosto!

fotomontagem de Jorge de Lima
·         Defende ou recusa a afirmação de que a poesia está mais próxima da música e artes plásticas que da literatura?

-Já Aristóteles em sua Poética tratou, junto da poesia épica, lírica e dramática, da citarística e da aulética, logo música. A idade média também não dividia as coisas, veja-se o exemplo dos Troubadors, dos Trouveres ou dos Minnesingers e Mastersingers. Literatura no sentido de prosa é algo recente, tenha-se em conta que mesmo tratados científicos e filosóficos eram dados em verso. Curtius em Literatura Europeia e Idade Média Latina elucida bem o caso. Defendo que toda arte é poesia, minha visão parte da tal cinestesia que falei.

·         Que achas da discussão sobre função social da poesia? Concordas com Jorge de Lima que diz não devermos dar deliberadamente papéis à poesia, e, logo a seguir, afirma que “em todos os tempos, [a poesia] teve uma função social importantíssima” de “anunciar as grandes reformas universais”?
      -Se há uma função social essa deve ser educar. Como disse, a poesia pra mim tem que ensinar algo: filosofia ou ciência e mesmo religião. A poesia meramente memorialista auto-egóica não me serve, por mais bonita que se apresente.

·         Sua religiosidade tem avançado no sentido de um monismo dionisíaco, não muito evidente no Prolegômenos, no qual prevalece uma visão mais cristã, seria o início do “apokalipsin” anunciado de sua poética?

     - Minha religião não tem pra onde ir, não evolui, não se degrada, inclui o Cristo como um personagem histórico mas também como alegoria: de uma humanidade que mereça ser amada, a “una humanirmandade” que vai lentamente sendo processada e que um dia há de ser realidade... se foi um dia um panteísmo, antes ainda foi o nada, mas hoje é algo bastante simples: sem dogmas, sem hierarquias; ainda que implique uma cosmogonia: sem futuro, mesmo sendo a própria escatologia. Estaria mais próxima de um gnosticismo, varri as crendices pra substituir por conhecimento. O complicado foi coadunar minha postura anarquista com uma religiosidade: não suportaria a ideia de um deus ditador, mas o Cristo já tinha dito que somos deuses, logo resolveu-se em mim o possível conflito. 

fotomontagem de Jorge de Lima
·         Depois do Prolegômenos sua poesia caminha para a música, não? Você é compositor autodidata, com duas sinfonias escritas e uma incipiente obra de câmera. Como foi esse processo de transição da palavra para a música? Onde se inscreve sua produção musical?

     - Foi o resultado de uma crise criativa: tentava escrever um poema e não achava suficiente os sentidos das palavras... tudo terminava na só sonoridade, estava entrando numa de sonorismo a la Kurt Schwitters... Então comecei a estudar música, com o propósito de compor, de inventar sons e combinações. Fiz um curso regular: Teoria, Contraponto, Harmonia, Instrumentação, Orquestração, Composição... sempre como autodidata... por livre escolha como propunha Pierre Boulez, mas como poeta, nunca como músico... não tenho interesse em um instrumento específico e odeio solfejo. Entre 1993  e 1998 compus bastante: compunha na intenção dos músicos que conhecia e participei, sem sucesso, de concursos de nova música no Brasil... assim surgiram as duas sinfonias: Sinfonia de Poemas para orquestra de cordas; Sinfonia Abaporú para grande orquestra. O projeto envolve também a minha poesia, ou minha gnose: um ritual que por enquanto chama-se Ritus Novissimae Atlantidae e que espero concluir um dia. Defino minha música como livre: poliestilística (trânsito entre o modalismo pentatônico e o serialismo dodecafônico).  Hoje, graças ao PC, tenho evoluído para uma música que lida com o que se chama de micro-sounds (eventos na escala do milissegundo) junto às macroestruturas (nuvens de sons, ciclos, drones, ets.). Na verdade minha música é bastante complexa e um tormento para os músicos (um me disse que minha música era osso!),  por isso tenho estudado bastante a música eletrônica (PC assisted como dizem): consegui os softwares mais avançados e uma extensa bibliografia e já tenho vários ensaios, estudos e algumas composições zoando por aí. 

·        Tens uma relação muito sólida com as culturas e línguas indígenas, tendo-as estudado profundamente, a ponto de adotar certas concepções cosmogônicas e visões de mundo e especializar-se em Tupi-Guarani. Como isso se configurou em sua poesia e usos linguísticos? Como surgiu e se desenvolveu esse interesse?

- Essa história começa em Caicó... alguém ofereceu um curso de esperanto (foi o meu amigo Yale Clecino!), na época eu vivia ligado num rádio de ondas curtas, ouvindo o mundo, toda aquela idiossincrasia da diversidade, as línguas, as culturas... sim: as músicas... já navegava em outras webs; então me veio a curiosidade: qual era a do tupi ? Por incrível sincronia encontrei na biblioteca pública de Caicó um dicionário do tupi antigo... quando me vem o Livro, tempos depois, senti a força que teria minha escrita se incorporasse aqueles elementos, daquela história que nos fora apagada: a existência de uma literatura, de uma poesia, plasmada naquela língua, o nosso classicismo. Quis realmente saber o que era, estudei muito, e, sempre a sincronia, os livros que precisava me apareciam. Acho que hoje estou pronto para escrever um livro totalmente americano, do novo mundo, ou de um novo... será neo-oriental, baseado no mundo mítico e no saber tupi, os prolegómenos estão prontos, o Livro ferve de estruturalismos irracionais, pedindo para ser escrito... já dei um nome, será: Guajupiá Papéra (O Livro do Guajupiá).
 [Natal/RN, março de 2011]

Sopa d’Osso (Haroldo José de Brito Silva, RN/Brasil, 1967). Contato: sopadosso@hotmail.com

quarta-feira, 23 de março de 2011

Luís Carlos Guimarães - Fábula de Hoy | Fábula de Hoje

Uma das paixões do poeta Luís Carlos Guimarães (RN/Brasil, 1934-2001) foi, sem sombra de dúvida, a tradução de poetas de língua espanhola. Desse fato nos dá testemunho o seu alentado volume 113 traições bem-intencionadas (EDUFRN, 1997). O título, irônico, faz graça com o afamado trocadilho traduttori, traditori [tradutor, traidor], largamente utilizado para referir-se às dificuldades da tradução. Foi provavelmente desse contato criativo com a poesia espanhola que surgiu o seu único poema escrito nesse idioma: este admirável Fábula de hoy. [MS]

FÁBULA DE HOY

En la claridad del día recién nacido
la línea de agua y espuma del mar
abaliza el horizonte.
Arriba, en los caminos del aire,
los pájaros y el rebaño de nubes viajeras.
Embozada en la noche que se fue
una copia de astros y estrellas.
Muy lejos en la infinita lejanía,
quién sabe Dios.
Entonces,
aquí en la tierra el hombre en la playa,
desgarrado en este grano de tiempo
y Dios en las colinas del cielo.
Los dos, solos, mirando tristes el mundo:
la criatura que dicen ser su obra.

Luís Carlos Guimarães

FÁBULA DE HOJE

Na claridade do dia recém-nascido
a linha de água e espuma do mar
demarca o horizonte.
Acima, nos caminhos do ar,
os pássaros e o rebanho das nuvens viajantes.
Oculta na noite que se foi
uma profusão de astros e estrelas.
Muito longe na infinita lonjura,
quem sabe Deus.
Então,
aqui na terra o homem na praia,
desgarrado neste grão de tempo
e Deus nas colinas do céu.
Os dois, solitários, olhando tristes o mundo:
a criatura que dizem ser sua obra.

Tradução de Márcio Simões

Os Dentes da Memória - Piva, Willer, Franceschi, Bicelli


"A última grande geração de poetas surgidos em São Paulo acaba de ganhar um livro. 'Os Dentes da Memória - Piva, Willer, Franceschi, Bicelli e uma trajetória paulista de poesia', das jornalistas Renata D'Elia e Camila Hungria, conta as peripécias de Roberto Piva, Claudio Willer, Roberto Bicelli e Antonio Fernando de Franceschi, poetas que incorporaram à lírica paulistana os delírios do surrealismo e trouxeram, através de palestras e traduções, a literatura beat norte-americana até nós. (Apresentado por Claufe Rodrigues)". [descrição da página do youtube]

quinta-feira, 17 de março de 2011

Lawrence Ferlinghetti – Salute / Saudação


SALUTE

To every animal who eats or shoots his own kind
And every hunter with rifles mounted in pickup trucks
And every private marksman or minuteman
                                                  with telescopic sight
And every redneck in boots with dogs
                                                  & sawed-off shotguns
And every Peace Officer with dogs
                                                  trained to track & kill
And every painclothesman or undercover agent
with shoulderholster full of death
And every servant of the people gunnig down people
                                   or shooting-to-kill fleeing felons
And every Guardia Civil in any country guarding civilians
                                   with handcuffs & carbines
And every border guard at no matter what Check Point Charley
                        on no matter which side of which Berlin Wall
                                   Bamboo or Tortilla curtain
And every elite statetrooper highwaypatrolman in custom-tailored
ridingpants & plastic crash helmet
& shoestring necktie & sixshooter in
silver-studded holster
And every prowlcar with riotguns & sirens and every riot-tank
                        with mace & teargas
And every crackpilot with rockets & napalm underwing
And every skypilot blessing bombers at takeoff
And any State Departament of any superstate selling guns
                        to both sides
And every Nationalist of no matter what Nation in no matter
                        what world Black Brow or White
                                               who kills for his Nation
And every prophet or poet with gun or shiv and any enforcer
                        of spiritual enlightenment with force and any
                        enforcer of the power of any state with Power
And to any and all who kill & kill & kill & kill
  for Peace
I raise my middle finger
in the only proper salute

Santa Rita Prison. 1968

 
SAUDAÇÃO 

A cada animal que abate ou come sua própria espécie
E cada caçador com rifles montados em camionetas
E cada miliciano ou atirador particular
                                            com mira telescópica
E cada capataz sulista de botas com seus cães
                                            & espingardas de cano serrado
E cada policial guardião da paz com seus cães
                                            treinados para rastrear & matar
E cada tira à paisana ou agente secreto
                                com seu coldre oculto cheio de morte
E cada funcionário público que dispara contra o público
                                ou que alveja-para-matar criminosos em fuga
E cada Guarda Civil em qualquer país que guarda os civis
                                com algemas & carabinas
E cada guarda-fronteiras em tanto faz qual posto de barreira
                        em tanto faz qual lado de qual Muro de Berlim
                                   cortina de Bambu ou de Tortilha
E cada soldado de elite patrulheiro rodoviário em calças de  
                        equitação sob medida & capacete protetor
                        de plástico & revólver em coldre ornado
                        de prata
E cada radiopatrulha com armas antimotim & sirenes e cada tanque
                        antimotin com cassetetes & gás lacrimogênio
E cada piloto de avião com foguetes & napalm sob as asas
E cada capelão que abençoa bombardeiros que decolam
E qualquer Departamento de Estado de qualquer superestado que vende
                        armas aos dois lados
E cada Nacionalista em tanto faz que Nação em tanto faz
                        qual mundo Preto Pardo ou Branco
                                                      que mata por sua Nação
E cada profeta com armas de fogo ou branca e quem quer que reforce
                        as luzes do espírito à força ou reforce o poder
                        de qualquer estado com mais Poder
E a qualquer um e a todos que matam & matam & matam & matam
                                                                                                pela paz
Eu ergo meu dedo médio
na única saudação apropriada


Prisão de Santa Rita, 1968
Tradução: Nelson Ascher. No livro Vida Sem Fim.

Edições Nephelibata

A Edições Nephelibata, capitaneada por Camilo Prado, é uma editora independente localizada em São Pedro de Alcântara, SC, com um catálogo seleto que inclui autores como Lovecraft, Georges Rodenbach, Villiers de L’Isle-Adam, Ian Curtis, Michel Foucault, Konstantinos Kaváfis, Junqueira Freire, Fagundes Varela, dentre outros. Os livros são costurados à mão e cuidadosamente acabados. Abaixo, o editorial-manifesto divulgado na página da editora.

"EDITORIAL

A arte de modo geral tornou-se mero produto de ávido consumo burguês; nas três grandes artes, na música, na pintura e na literatura, tudo virou “produto”, como já se acusara outrora, há mais de um século. Hoje, um músico quando apresenta um novo disco, chama-o de seu último “trabalho”, enquanto o empresário da gravadora considera-o “um novo produto”; nas artes plásticas não é diferente, os curadores se transformaram em figuras às vezes até mais importantes do que o artista e sua obra, pois é o curador aquele que engrandece ou empobrece uma obra e conseqüentemente um artista, cair nas graças de um curador é cair nas graças do mercado e da fama, é, em suma, tornar-se um “artista”. Na literatura, onde o livro, muito mais do que um quadro ou um disco, é um artefato que necessita de reprodução — a própria natureza material do livro requer que seja “reproduzido” —, a figura do editor mesclou-se completamente com grandes corporações, às vezes internacionais, chamadas “editoras”. Essas empresas editoriais são produtoras de livros e seus produtos direcionados para um “mercado consumidor”.

No entanto, há uma perceptível diferença entre um disco, uma pintura e um livro que contenham arte e aqueles que são reproduzidos aos milhares para o mercado consumidor, ou seja, há uma diferença entre uma obra de arte e um livro, um disco ou um quadro. Pois se toda arte pode ser apresentada em forma de artefato [disco, livro ou quadro], nem por isso todo artefato [disco, livro ou quadro] é uma obra de arte. Pode-se mesmo dizer que raros são os artefatos musicais, livrescos ou pictóricos que contenham arte; todos são artefatos, mas nem todos artísticos.

A Edições Nephelibata, seguindo o temperamento dos poetas simbolistas do século XIX e o espírito punk do “faça você mesmo”, se insere entre as "independentes", editando livros em pequenas tiragens, destinados a um seleto número de leitores, insistindo em alguns títulos estranhos de autores obscuros por raro gosto estético e, sobretudo, por ter nascido, e permanecido, à margem.

A NEPHELIBATA é uma entidade nômade, centralizada na figura de seu editor, Camilo Prado. Atualmente suas OFICINAS GRÁFICAS encontram-se em São Pedro de Alcântara, SC, Brasil; seus componentes, no entanto, estão espalhados pelo mundo.

Fuck  International Standard Book of Number !"


Murilo Mendes - Poema Espiritual

Gravura de William Blake
Eu me sinto um fragmento de Deus
Como sou um resto de raiz
Um pouco de água dos mares
O braço desgarrado de uma constelação.

A matéria pensa por ordem de Deus,
Transforma-se e evolui por ordem de Deus.
A matéria variada e bela
É uma das formas visíveis do invisível.
Cristo, dos filhos do homem és o perfeito.

Na Igreja há pernas, seios, ventres e cabelos
Em toda parte, até nos altares.
Há grandes forças de matéria na terra no mar e no ar
Que se entrelaçam e se casam reproduzindo
Mil versões dos pensamentos divinos.

A matéria é forte e absoluta
Sem ela não há poesia.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Poenocine & Sol Negro

O Poenocine, espaço irmão deste, é o local de discussão e encontro on-line do Coletivo Paradoxo, grupo de leitura e criação de poesia de São Paulo, capitaneado, entre outros, por Paulo Ortiz. Lá se podem ler textos diversos sobre livros, autores, músicas, poemas traduzidos, além de especiais semanais sobre poetas escolhidos por eles. Semanas atrás, foi a vez do Sol Negro. Confira:
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Editora Deriva

Conheça um pouco da Editora Deriva de Porto Alegre. Edições em copyleft e pequenas tiragens. Matéria da TVE do Rio Grande do Sul.

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sábado, 12 de março de 2011

As Musas de um Poeta - Por João Antônio Bezerra Neto

Walflan retratado por Newton Navarro
Walflan retratado por Newton Navarro
A presença da mulher na poesia de Walflan de Queiroz [1930-1995] é um dos temas predominantes na sua trajetória lírica. O poeta potiguar vivenciou paixões platônicas transfiguradas em versos que retomam a tradição romântica e simbolista de celebrar a Amada. Paixões e Amores irreconciliáveis. Amores tristes e sublimados.
Partilha suas paixões e suas inquietações existenciais com a leitura de poetas que admira, como John Keats, Shelley, Edgar Allan Poe, Hart Crane, Hölderlin, Rimbaud. O cânone ocidental exerce sobre o poeta Walflan uma inegável “angústia da influência”.
“Conheci Walflan de Queiroz antes e depois de sua aventura no mar, um mar amargo e sonoro que o impregnou de sal e de melodias distantes e nostálgicas”. Com estas palavras, o escritor Luís da Câmara Cascudo saudava o poeta e o seu livro de estreia, O Tempo da Solidão, publicado no ano de 1960, em Natal. Essa referência à aventura marítima não é ao acaso, uma vez que havia sido marinheiro mercante na juventude, tendo embarcado em cargueiros.
O Tempo da Solidão traz vivências do poeta e a partir delas ficamos sabendo da sua conturbada vida amorosa. Surgem as primeiras musas: Irene e Tereza. Na “Elegia para Irene”, proclama: “Deus fez primeiro a ti, depois o mar azul”. Noutro poema, a “Elegia para Tereza”, busca o enfoque espiritualista: “Tereza. Para mim, o eterno manuscrito da caça espiritual”. No poema “Angústia”, afirma convicto: “O que é romântico não pode desaparecer da vida nem da morte”.     
A mais conhecida de suas paixões resultaria em um livro rico de símbolos e de metáforas que retratam no plano emocional o sentimento amoroso. Estamos falando de O Livro de Tânia, lançado em 1963. Tânia, no texto poético, como a musa inspiradora, assume a função de um vocativo deflagrado em versos de acentuada melancolia a começar pela força misteriosa da dedicatória que se acha nas primeiras páginas: “Eis o teu livro, Tânia. O mar já não existe. E as rosas que te dei naquela noite de dezembro estão, tristes. Esperam pela tua ternura. Tocadas, como são, pelo orvalho e os ventos das manhãs”.
Tânia é a principal musa da sua poesia lírico amorosa. A sua Beatriz, a sua Ofélia, a sua Marília, a sua Annabel Lee, enfim, a Eurídice de seus versos. Tudo que possa representar o drama do Amor evocado pela literatura e pelos mitos Walflan de Queiroz absorveu através de uma dicção poética muito pessoal. Um exemplo, o poema a seguir:

A TÂNIA, NUMA TARDE DE CREPÚSCULO MÍSTICO

Esta tarde meus olhos estão cansados de te esperar
E de te desejar na tranquila paisagem do porto,
Onde os barcos balançam mansamente sob o crepúsculo.
Esta tarde eu te ouço no murmúrio das águas, no vôo
Da gaivota, quando desfalece em mim a visão da retirada ilha.
Esta tarde meu coração adormece docemente em tuas mãos
E penso no silêncio das estrelas e dos teus olhos.

            A descrição revela elementos típicos do simbolismo. A sugestão do crepúsculo tingindo o céu, o cenário do porto, dos barcos, o murmúrio das ondas, a imagem da gaivota, tudo isso são metáforas que fazem o poeta sentir a presença da Amada.   
Em 1965, publica O Testamento de Jó, dando continuidade ao lirismo sofredor, mas também aos temas religiosos. O seu livro é um divisor de águas dentro do conjunto de sua obra poética. Dedicado a Yahvé, marca o início da sua lírica voltada definitivamente para o Sagrado, para o Mistério, para o Absoluto. E, assim, no poema “Solidão de Jó”, revela a natureza mística de sua alma: “Fui criado como Jó, antiquíssimo antepassado bíblico, / E vivo entre a minha solidão e a sabedoria de Deus”. 
A partir de então, o discurso amoroso dividirá espaço com o discurso religioso, estendendo-se essa tendência para o restante de seus livros. Nesse sentido, a nova figura feminina surge ao lado dos já conhecidos nomes de Irene, Tereza e Tânia. Temos um punhado de poemas dedicados a Herna. Para a sua musa, o poeta dado a paixões arrebatadoras, declara: “Eu te amo / Como a única lágrima, / Como a morte em prontidão”.
Consciente de sua paixão não correspondida, amargurado por saber que não terá respostas consoladoras, busca então algum amparo divino, como percebemos na última estrofe do poema “Tristezas para Herna”:

Eu não me lembrei
De ti, Herna
Senão
Quando chorei,
Quando roguei,
Quando pedi
A Deus
Que entendesses
Minha tristeza.

Noutro poema, intitulado apenas “Para H.”, desabafa: “Tu nunca entenderás o mistério do pássaro. / Porque o pássaro é sol, nostalgia do Infinito”.
Os poemas sentimentais, por exemplo, estão presentes em seu livro, A Colina de Deus, publicado em 1967. O poeta expressa os seus lamentos, as suas queixas, recordando constantemente as suas paixões. Ele não consegue se libertar delas, como neste poema, cuja estrofe final diz:

Três amores
E uma solidão.
Irene azul.
Tânia amarga
E Herna triste.
                                  
O poeta evoca Irene, Tânia e Herna que representam a trindade afetiva e amorosa do seu espírito de romântico angustiado. Essa trindade se mistura ao discurso místico do poeta à medida que avançamos na leitura de seus livros. Em Nas Fontes da Salvação (1970), o eu lírico diz: “Chorei como Jeremias, sofri como Jó, / Por isso não me reconhecerás, Irene”. Para Tânia, escreve: “Em vão interroguei a Noite, / Em vão interroguei os astros, / Que me falaram de ti”. Para Herna, declara: “Pura / Como uma palavra, / Saída da boca de Jeová”. 
Apesar da presença cada vez maior do discurso para Deus, em Aos Teus Pés, Senhor (1972), o diálogo com as musas ainda continua em poemas como “Para o meu único amor” e “Noturno para Herna”. Na última fase de sua obra poética, que compreende os livros A Fonte de Zeus (1974) e A Noite de Allah (1977), o poeta parece ter renunciado os seus amores.
No entanto, não há como negar que a imagem da mulher idealizada e amada platonicamente representa um significativo eixo temático na poesia de Walflan de Queiroz. Irene, Tereza, Tânia, Herna e tantas outras são lembranças que ficaram presas em seu imaginário poético. No derradeiro livro, A Noite de Allah, influenciado pela teologia islâmica, cantou: “Do Gênio, quero um palácio azul / E Irene”.    
João Antônio Bezerra Neto
Pesquisador