segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Jorge de Lima │ Um Soneto

Giorgio de Chirico
Em que distância de hoje te modulo
mundo de relativos compromissos.
Agora estas narinas como orelhas
chupando as cores nuas embaçadas.

Tu sentes estas dores homem nulo,
Diniz abandonado pelas santas.
Tudo foi hoje: o abrir-se e refechar-se
de leitos e de covas incessantes.

Seccionaram-te em noites mil e duas
com cães e galos negros espreitando
e teu chapéu no vento badalando.

Quem vem coser de novo teus pedaços
e unir as noites sempre separadas
senão a morte com dedais e linhas?!


Do Livro de Sonetos. in: Poesia completa. Nova Aguilar, 1997.  p. 494

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Maiakovski │ Poética










“Não forneço qualquer regra capaz de transformar um homem em poeta e o levar a escrever versos. Essas regras não existem. Poeta é justamente o homem que cria as regras poéticas.”
“A inovação é indispensável a uma obra poética.”
“A inovação, é evidente, não pressupõe que se enunciem permanentemente verdades inéditas.”
“O trabalho poético preparatório faz-se de modo contínuo.”
“Uma obra poética de qualidade só pode ser feita num tempo dado se se dispõe de um grande número de reservas poéticas.
“Todas estas reservas ficam depositadas na cabeça, e as mais difíceis anotadas num bloco.”
“Nada conheço sobre o modo como serão empregadas, mas sei que tudo será utilizado”.
“A preparação destas reservas ocupa todo o tempo. Dedico a esta tarefa de dez a dezoito horas por dia e ando sempre a elaborar qualquer coisa. É esta concentração que explica a famosa distração dos poetas.”
“Em qualquer circunstância, o poeta avalia todas as ocorrências, todos os indícios, todos os acontecimentos, exclusivamente como matéria de expressão verbal.”
“O ritmo é a força essencial, a energia essencial do verso. Não se pode explicar, dele apenas podemos dizer que se diz do magnetismo e da eletricidade: são formas de energia.”
“É preciso conduzir o verso até o limite extremo da expressividade. Um dos grandes meios de expressão é a imagem.”
“Os meios de trabalhar a imagem são infinitos.”
“Os meios técnicos de trabalho sobre uma palavra são de uma variedade infinita.”
“A novidade do material e dos processos é obrigatória para cada obra poética.”
“O trabalho do poeta deve ser quotidiano, a fim de melhorar a técnica e acumular reservas poéticas.”
“Não podemos considerar a cinzelagem de um poema, o trabalho técnico, como se costuma dizer, como um valor em si. No entanto é este trabalho que torna o poema utilizável. É somente a diferença nos meios de trabalhar um poema que faz a distinção entre poetas; somente o conhecimento, aperfeiçoamento, acumulação e diversidade de processos poéticos fazem de um homem um escritor profissional.”
“É necessário que mesmo o vestuário do poeta, a sua conversa doméstica com a mulher, sejam diferentes, definidos por toda a sua produção poética.”

MAIKOSVISKI, Vladimir. Poética. Tradução Antônio Landeira, Maria Manuela Ferreira. 5. Ed. – São Paulo: Global, 1991

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Novalis │ Fragmentos de Pólen

Blake
POESIA & POETICISMO

“A poesia eleva cada indivíduo através de uma ligação específica com o todo restante...”
“O poeta [...] suas palavras não são signos universais – são sons – palavras mágicas, que movem belos grupos em torno de si.”
“Para o poeta a linguagem nunca é pobre demais, mas é sempre universal demais. Ele frequentemente precisa de palavras que se repetem, que através do uso já esgotaram seu papel. Seu mundo é simples, como seu instrumento – mas igualmente inesgotável em melodias.”
“Poesia é a grande arte da construção da saúde transcendental. O poeta é, portanto, o médico transcendental.”
“A poesia reina e impera com dor e cócega – mescla tudo para seu grande fim – a elevação do homem acima de si mesmo.
“A poesia dissolve a existência alheia em própria.”
“O genuíno começo é poesia-natureza. O fim é o segundo começo – e é poesia-arte.”
“Entre os antigos era a religião já em certa medida aquilo que deve tornar-se entre nós – poesia prática.”


NOVALIS, Friedrich Von Hardenberg. PÓLEN: Fragmentos, diálogos, monólogo. Tradução, apresentação e notas Rubens Rodrigues Torres Filho. Iluminuras. 2001



segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Nick Cave | A Canção de Amor


"Essas músicas que falam de amor sem uma dor ou suspiro em seus versos não são músicas de amor, são todas músicas de ódio disfarçadas de amor, não se deve acreditar nelas. Essas músicas negam nossa humanidade e o direito que Deus nos deu de sermos tristes e as ondas de ar são cheias delas. A Love Song deve ressonar como um sussurro de tristeza, os sinos soando luto. O escritor que se recusa a explorar as regiões mais escuras do coração nunca será capaz de escrever algo convincente sobre a maravilha, a mágica e a alegria do amor, assim como a bondade não pode ser confiada a alguém que já respirou o ar do mal..."

Texto completo da palestra: AQUI

Aldo Pellegrini │ Horizonte Líquido


Max Ernst. Design in Nature. 1947.

Com passo tranquilo
os transeuntes avançam até o umbral das pupilas
amantes negros
afugentam os cães enfurecidos
é a hecatombe da luxúria
que se agita por trás dos rostos desfigurados
com passo tranquilo
amantes policromos se cruzam na alameda da angústia
em seu poleiro
o espectador perfeito estuda impassível os sinais
de vertigem
o fogo latente das virgens
o semblante imaculado das portas
uma voz se entreabre para mostrar seu obscuro desejo
o amante negro sobe as escadas arrebatado
pela dança frenética
as janelas se fecham
silêncio da noite da carne
os desconhecidos apertam as mãos
uma conversa interminável descansa
no extremo limite da sombra da fria pupila
os ginastas rolam
pelas escadas destroçadas
como chegar ao que de ti não se pode ver?
como fazer brotar o desejo ardente de tua carne
entreaberta?
a seus pés
os cachorros enfurecidos latem
olhos implacáveis
neles se perde a linguagem dos desejos
o enforcado se balança ao eco dos latidos
boa noite
tudo termina
os cães aterrorizados fogem do horizonte ardente e líquido
empalidece o vigor
dos braços ávidos
uma noite tranquila para o desconhecido que se afasta
uma noite de esquecimento negro.

Tradução: Barbosa da Silva