domingo, 30 de outubro de 2011

Em defesa da poesia│ Octavio Paz

 
O conhecimento poético é o único que nos resta frente ao progressivo aniquilamento da visão religiosa ou frente à dispersão do conhecimento científico. Os grandes sistemas filosóficos desapareceram. A filosofia analítica se encontra em um "impasse", daí que filósofos como Robert Nozik tentem encontrar uma via de saída. Quanto à fenomenologia e seus herdeiros: não há ninguém depois de Sartre. Seus sucessores são comentaristas de Heidegger, como Foucault e Derrida. E que dizer do marxismo? Converteu-se em uma escolástica universitária nos países capitalistas do Ocidente, especialmente nos Estados Unidos (a moda já passou na Europa), enquanto que no Leste é uma aborrecida ideologia estatal. Nas grandes religiões, a visão poética foi e é central; o mesmo devo dizer dos sistemas filosóficos do passado. Por isto, creio que o que pode dar um pouco de frescor espiritual a nossas vidas é o conhecimento poético. Não digo que a poesia possa substituir a religião ou a filosofia: digo que é a origem da religião e da filosofia. No assombro ante o Outro e os outros está a poesia: foi e é o gérmen,a semente primeira. Regressar a ela será regressar à origem. 

Uma relação análoga à que existe entre poesia e filosofia aparece entre a poesia e o mito. A poesia tem sido criadora de mitos e foram os poetas os que converteram os mitos informes em poemas e obras de arte. Esta função da poesia não desapareceu em nossa época. A poesia tem rejuvenescido os mitos - Eliot em um extremo e, no outro, Joyce, para falar tão-somente de poetas de língua inglesa, ainda que também se possa citar Rilke, Apollinaire e outros.

[…]

Antes de tudo: os mitos são realidades. O são de uma dupla maneira: em primeiro termo, por terem vida própria e, em seguida, por expressarem, quase sempre de uma maneira metafórica e cifrada, uma dada situação e que corresponde a todo o grupo social. Por exemplo: a bomba atômica reintroduziu na consciência moderna o antigo mito da extinção do universo. Nossa sociedade não é a primeira que teme o desaparecimento do mundo em um grande cataclisma. Recorde os aztecas, os estóicos ou os cristões do Ano Mil. Em quase todas as religiões figura uma revelação - um apocalipse - relativa ao fim do mundo. Esse fim pode ser definitivo, como no cristianismo ou no Islã, ou cíclico, como no budismo e entre os estóicos. O assombroso é que a sociedade do progresso e da ciência, precisamente através da ciência e do progresso, tenha descoberto, por sua vez, a velha imagem da destruição cósmica. A diferença com o passado não é menos reveladora que a semelhança: para os antigos, a catástrofe confirmaria a verdade da revelação, enquanto que para os modernos a explosão nuclear nega as suposições de nosso mundo: a razão, o progresso, a ciência. Também é assombroso que os poetas tenham dito sempre o que agora descobrem os psicólogos e os sociólogos: a presença da violência mortífera, agarrada às dobras da alma humana ou nas entranhas da sociedade. Voltamos a sentir como os antigos, mesmo que pensemos de uma maneira distinta. Isto quer dizer que em nossa imagem do fim do mundo há uma fratura: foi uma visão religiosa e agora é uma possibilidade filha da ciência moderna e da violência ancestral do animal humano.

[Trechos de "Poesía de circunstancias", entrevista concedida a César Salgado. Revista Vuelta # 138. México. Maio de 1988.]

domingo, 23 de outubro de 2011

Fernando Pessoa | Poemeto do Sol Negro

Aleister Crowley e Fernando Pessoa jogando xadrez, 1930

É sono? É sonho? É ver?
Não sei, nem sei saber...
Há um sol negro no fundo
Do que me sinto ser
E em torno gira o mundo.