“O mundo devastado fundou uma poética singular no século XX, de encantar Adorno com sua duvidosa concepção se haveria o rascunho de um poema sequer depois de Auschwitz. Da poética do emudecimento de Paul Celan à do silêncio de João Cabral, talvez sintetizaria Modesto Carone. Poesia boa é poesia morta. E assim, calada no seu canto, a sombra que restou dela é muitas vezes rebuscada em mãos mui universitárias, com a desculpa da "forma difícil", conceito caro aos formalistas também futuristas russos. Seria essa a via única da poesia hoje, repleta de versos e palavras partidos ao meio, imagens cifradas à procura de hermeneutas de primeira, lugares e vocábulos exóticos na direção de um profundo estranhamento, mensagens extraviadas antes mesmo da última estrofe, fala desarticulada em defesa de uma discussão metalinguística antes de tudo?
Não só, talvez diria o coletivo do Rio Grande do Norte aqui apresentado. Os poetas Barbosa da Silva, Márcio Magnus, Márcio Simões e Sopa D`Osso, integrantes do grupo "Sol Negro", contestariam tal limitação, sem se distanciar da questão lançada há mais de um século pela literatura, arrastando consigo a percepção linguística do Simbolismo e a viva provocação das Vanguardas. Esses autores de Natal invertem a equação que cada vez mais se torna consenso entre os poucos leitores de poesia – e cada vez mais exibidos na ruína que os envolve, como se fossem as últimas testemunhas mas as primeiras detentoras da mais alta cultura, o que os faz pisarem com a mesma bota dos opressores as cabeças da pouca humanidade que se dispersa, errante, num mundo eternamente entre-guerras. Vejamos de perto como o "Sol Negro" retira o coração das trevas, e de que maneira eles não se furtam desse apocalipse now.
Sua proposta é a de instalar a percepção do horror no horizonte de cada linha, sempre perdida ao descermos os olhos para a próxima, como pode ser conferido na pequena amostra da antologia...”
Trecho inicial de "Uma bomba precisa: a poesia de Márcio Simões e o coletivo Sol Negro", ensaio de Paulo Ortiz publicado no Portal Cronópios. Leia aqui.
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