terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A flor do arco o esqueleto da bruma e as ramagens floridas¹

– por novos posicionamentos para a poesia –

O Século XXI verá a derrocada definitiva do paradigma cartesiano e racionalista. Será o século da simultaneidade, da atemporalidade radical, da completa heterogeneidade e da sincronicidade quântica. Tempo e espaço se apagam dia-a-dia, assim como assiste-se ao surgimento de um cultura planetária, heterodoxa, fruto da intercessão súbita de temporalidades e locais díspares. O entendimento totalizante opõe-se ao pensamento fragmentário. A mistura das raças amadurece e este deverá ser o século também da ação minoritária em larga escala, da ação coerente de grupos celulares de revolução constituídos por afinidade agindo de acordo com estas em níveis diversos e segundo estratégias e objetivos distintos, ao mesmo tempo autônomos e integrados operando no seio do ocidente contemporâneo cultural e economicamente unificado, cada vez mais militarizado e intolerante na sua face ostensiva, com crescente aumento do controle da população via tecnologias de identificação e vigilância e com a alienação das liberdades civis.

Como a mais natural das guerrilhas, a literatura se impõe como força atuante, em especial, a Poesia. Um grupo de individualidades poéticas (o suficiente para não se denominarem como conjunto, associação, movimento ou partido) residente em Natal e arredores, deseja estabelecer as bases para sua arte neste estado de coisas, o que nada mais é do que estabelecer um retorno a esta ocupação de suas orientações mais ancestrais e profundas e que, acreditamos, foram as mesmas para toda Grande Poesia. São estes os nossos posicionamentos:

A Poesia:

·         A poesia realmente relevante de uma época é aquela que dá conta, da melhor maneira, de expressar, da forma mais contundente e espiritualmente fiel, esta própria época, correspondendo as suas necessidades intelectuais, emocionais e psicológicas, livrando-a dos modelos anteriores, já tornados repetitivos e artificiais, e não mais gerando real sentido para a época subsequente, a qual deverá assumir, posteriormente, os modelos então surgidos como formas autênticas de expressão. Em outras palavras: importa a poesia que apreende o tempo presente, a do momento atual criando as suas próprias formas de representações simbólicas, representações em que esse tempo se reconhece, aceitando-se ou negando-se. As artes e a literatura não possuem “fins” ou “ápices”, mas, assim como a poesia, são “meios” de uma necessidade permanente e coletiva de auto-representação, expressão, reconhecimento, reflexão e crítica, assim como de sonho e transformação – processo que se dá a partir da produções simbólicas, e a arte aspira a ser, ela mesma, a mais acabada dessas representações. Nesta perspectiva, acreditamos que a grande arte é aquela em que o tempo em que o artista viveu ficou mais autenticamente representado e foi mais fundamentalmente sentido – sentimento este que tanto mais pode ser recuperado quanto mais lúcido foi o testemunho da existência do artista e mais coerente com este testemunho a sua obra. Assim, o romano Catulo é tão moderno e contemporâneo como o espanhol Luís de Góngora ou o francês Charles Baudelaire. Cada geração, pois, deve ter artistas encarregados de repensar e repropor as concepções de arte até então vigente, pondo em xeque o que foi já foi feito, submetendo-o à crítica, retirando dele o essencial e elaborando desse trabalho de pensamento as formas de composição e expressão que lhe serão peculiares, ao mesmo tempo em que está em íntima relação com as representações e idiossincrasias da época, fazendo nascer, desse duplo diálogo com a tradição literária e com as expectativas e construções do inconsciente coletivo do seu exato momento, uma arte que abarque seu tempo;
·         É imprescindível que a Poesia esteja comprometida com a existência e a experiência. E reconheça no indivíduo temporal a permanência coletiva. Deve estar atenta aos anseios conscientes e inconscientes dessa coletividade, considerando suas contradições e perplexidades. Deve explorar estados mais atentos do ser e da consciência, além de comportar-se como uma força de transformação e atuar no sentido de libertação do humano. Não deve confundir-se com beletrismo nem reduzir-se ao debate estético;
·         A Poesia não entende o capitalista, o cartesiano nem o racionalista, nem é produto desses estados nem dos que os representam nas estruturas de poder social. É antes, neste momento, o seu antípoda – uma imensa negação afirmando que esta sociedade, que ora agoniza, e sua cultura de decadência não são a verdadeira vida, mas antes sua niilística negação. O autêntico Real-Absoluto é a Poesia;

Os Poetas e os Poemas:

·         O Eu-Universal. O homem sem tempo ou espaço inserido em um tempo e espaço e configurado por este. Nunca a persona, o auto-enganador engrandecedor, a figura romântica vaidosa;
·         O domínio acabado da técnica do poema e do verso é fator imprescindível para o surgimento de um poeta, mais tampouco é o suficiente. Se não for associado às necessidades e pulsões vitais, se não brotar da necessidade pessoal de uma individualidade em confronto com seu tempo e consigo mesma, tudo que se terá será um mero maneirismo, uma repetição de formas e sentimentos já esvaziados;
·         A época atual representa-se por uma verdadeira profusão de formas, com uma variedade só comparável às formas naturais, e com tantos signos, metáforas e interstícios silenciosos plenos de sentido quanto pudermos estar atentos para perceber. Os poetas deste século deverão ser senhores dessa variedade de formas, tipos de verso, estilos de composição, modelos de representação coletivos, possibilidades simbólicas, etc. Só assim é o próprio poema, no momento de sua feitura, que informa ao poeta qual será a sua forma. O artista deve encarar seus materiais desprovido de conceitos ou idéias preconcebidas, quaisquer que sejam. É o próprio material que deve exigir a forma que tomará. Só assim estará garantida a isomorfia forma/conteúdo;
·         A individualidade criadora deve prevalecer. Cada artista: um pórtico, um núcleo, um feixe aglutinante. A extensão atual do corpus de nossa cultura permite que cada qual escolha e forje sua própria tradição, de acordo com seu temperamento. Trata-se de uma tendência que deverá se exacerbar, contribuindo para o fim de escolas e inclinações dominantes de época, valorizando-se o diverso e o não-dominante. Cada artista: um paideuma;
·         Cada poeta deve ter um compromisso com o conhecimento: viver sob o mito que ele mesmo forjou: ser ele mesmo o fabricante e o pesquisador de sua própria visão de mundo: seu entendimento pessoal;

A poética da excelência:

·         A avaliação de uma obra de arte deverá ser feita de acordo com o critério da excelência da execução. Se determinado trabalho é sumamente executado (a poesia é ‘fazer’, poiesis), se deu conta de maneira cabal dos objetivos e metas a que se propôs, segundo os critérios estéticos que adotou, e constitui matéria realmente nova e diferenciada (portanto relevante) no campo em que se configurou, tal trabalho deve ser reconhecido como obra na qual a arte se realizou e está presente. Como símile perfeito (portanto auto-suficiente e polissêmico) de acesso a uma realidade não simbólica, mas que só pode ser apreendida – vivida – sob o signo: nós mesmos;

O Local/ Locais:

·         Nenhum lugar: Natal é o centro do mundo: ou: o mundo não tem mais centro: lugar algum: todo lugar. Nenhum é mais ou menos favorável;
·         O local no universal, sem diferenciações. Encontro e fusão de tradições díspares. Plurilíngue e multicultural, desde sempre (para o bem e para o mal – sempre para o bem e para o mal) invadida; porto perpétuo para navegantes de partida e exploradores de plantão; mistura de migrações interioranas, estrangeiras, indígenas autóctones, negros e colonizadores brancos dono do poder político e econômico (até hoje) a Cidade do Natal é o campo ideal para a mistura, experimentação e novidade;
·         Mas – para que dizer mais se já foi bem dito: assinamos neste ponto as palavras do poeta João Batista de Morais: “A esquina multifacetada da América: a cidade é múltipla, a cidade é cidades. Ou são cidades que habitam simultaneamente um único espaço. Nascer e ser transeunte neste lugar é sempre a marca do viajante solitário. O nômade permanente. O signo do peregrino. A multiplicidade do lugar Natal vem pela enxurrada das migrações que contribuem para que o espaço seja heterogêneo e rico... Ser desta cidade implica essa possibilidade de transmigração ininterrupta, nem que seja nela própria. Ninguém sabe a onda, o maremoto, o vulcão que se esconde em um transeunte, seja da zona norte ou da zona sul, leste ou oeste, em sua dispersão anônima pelos lugares e não-lugares da cidade. Whitman imaginou isso, de certa forma, na sua América imensa e rica”;
·         A literatura local inserida no universal total. O caldeirão. O ponto do preparo;

As metas:

Exigimos um reencantamento da experiência e da existência baseados numa nova compreensão da consciência e das realidades físicas. Assim como o reconhecimento da Poesia como uma das formas das artes Mágicas, Médicas, Iniciáticas e Autoconscientes. Defendemos uma atualização permanente do mito e das metáforas sob as quais vivemos, mais condizentes com a vida presente e com os paradigmas emergentes; uma crítica às paixões tristes e uma visão espaço-temporal diferenciada, um sincronismo do momento diacrônico e um diacronismo do momento sincrônico aplicados à arte literária e somados a uma pluralização das formas, estilos e conceituações possíveis para nossa arte, valorizando sua diversidade de modos e procedimentos e rejeitando a idéia de um único modelo teórico, estético – ou mesmo sentimental – como algo válido. Não podemos crer numa única maneira de sentir e expressar – simbolizar – a nossa vida, da mesma forma como não podemos crer em nenhum forma de saudosismo ou anacronia: interessa-nos o que é próprio de cada época, o presente que é eterno devir. Nos diz respeito ainda o estudo e a pesquisa no sentido de apreender o que configuraria o valor artístico e espiritual comum a toda Grande Poesia, dos gregos até hoje, incluindo e valorizando as poéticas ditas ´extra-ocidentais`.

Cidade do Natal do Rio Grande, sob a benção do Deus-Pai Hélios, cujo Filho-e-Cristo foi o célebre Orfeu (iniciador de nossa jornada) no segundo semestre do ano 2007 da Era Comum, assinam:

Rodrigo Barbosa da Silva
Sopa D’osso (Haroldo J. B. Silva)
Márcio X. Simões

1. A flor do arco O esqueleto da bruma e As ramagens floridas: metáforas da poesia indígena, respectivamente, para flecha, cachimbo e os dedos de Deus-Ñamandú.

Um comentário:

  1. Rapazes, poetas, releio esse texto ano após ano e permanece o júbilo de sentir queimar a poesia em cada ato escrito, em cada mensagem vibratória...
    Congratulações tropicais!
    Vida longa ao Sol Negr@!

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