domingo, 26 de fevereiro de 2012

Pela sobrevivência dos espíritos livres

(Alberto Lacet entrevista Fernando Monteiro) 

Em entrevista concedida a Alberto Lacet em fevereiro de 2010, o romancista, poeta e cineasta pernambucano Fernando Monteiro fala sobre seu livro Vi uma foto de Anna Akhmátova e também de literatura, cultura, Suassuna, T. E. Lawrence e outros.

AL  –  Em seu último livro, Vi uma foto de Anna Akhmátova, o leitor encontra um tipo de literatura muito longe do "instrui e diverte", do "edificante" etc., tradicionais “muletas” literárias. Esse texto passa um tipo de dor que dificilmente é alcançado por jovens atuais, que nunca estão interessados etc. Monteiro escreve para os de sua geração?

FM  –  Essa questão de "para quem" a gente escreve  –  frequentemente colocada, nos últimos anos – para mim é uma falsa questão, porque eu sou daqueles que acreditam no ato de escrever (ou de pintar, de esculpir, compor etc.) como resposta a uma pulsão profunda. Na verdade, uma espécie de "danação" que impele os espíritos mais atormentados pelos caminhos da arte, em busca de resposta a perguntas – que (eu concordo) estão sendo pouco a pouco "abolidas" – tipo "quem somos?, para onde vamos?" etc. Os jovens de hoje estão nascendo num inferno artificialmente refrigerado e sonoramente poluído por "certezas" de ordem mais do que nunca intranscendentes, como aquele muro de Bartleby (personagem de um conto de Herman Melville) fixado pelo escrevente que resolve se ausentar até se si mesmo. Assim, como Bartleby, os jovens estão ficando ausentes (pra começar) e, daí, vem essa omissão do resto, enquanto, paradoxalmente, eles esperam uma Shangri-Lá de felicidades, merecidas ou imerecidas, caídas do céu sobre as suas cabeças... Eu escrevo para eles? É claro que não. Então, eu escrevo para o passado? Não, também não, pois sei, perfeitamente, que o passado está morto e não poderá me ler, na espuma do nada. Escrevo para mim mesmo? Talvez sim, na busca – ainda – daquelas respostas que ficaram para trás, no limbo do "não-ouvido", na terra de ninguém deste começo de século de inquietação e perplexidades. O meu longo poema começa pela visão de uma foto  –  dentro de um livro – de uma poeta russa, num sebo do Recife. Os poetas estão se transformando noutra coisa (que quase nada tem a ver com a poesia!), os livros estão ameaçados de se tornarem excrescentes, inúteis – se não forem de divertimento ou de falsa "auto-ajuda" –, num mundo que desaba [pelo menos no Ocidente]. Vi uma foto de Anna Akhmátova foi escrito no que eu chamo uma espécie de "estado de transe controlado", que mantém o seu ritmo até o último verso. Já teve gente que não conseguiu parar de ler, uma vez iniciado o poema. Para que tipo de leitor foi escrito? Eu arriscaria dizer: para os que não têm certezas sobre nada, e que interrogam a vida como se fosse difícil até escovar os dentes, amanhã de manhã, se hoje não for possível encontrar certas respostas, antes que seja tarde demais.

                                                              Entrevista completa aqui.

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