sexta-feira, 19 de agosto de 2011

três poemas de Afonso Henriques Neto


Paul Klee
  salto  

                      “Quem é o Buda?
                      O bosque de bambu
                      No sopé do monte Chang-lin.” 

O louco costuma quebrar as coisas
incomoda a ordem caseira
é necessário trancá-lo.
O imperador costuma polir os códigos
é uma honra recebê-lo em casa
imagine só ele conversando na intimidade.
As leis bloqueiam o louco
que bloqueia as leis.
O imperador não se abraça ao louco.
O louco não reconhece o imperador.

Cinco tiranossauros flutuam no entardecer.  



Pollock

patada peluda





Cena: dois trens da central do brasil carregados de operários acabaram de se engavetar mais uma vez. há pedaços de gente pra todo lado. O 1º homem conversa com o 2º homem, ambos presos nas ferragens.
   







  1º Homem: você está com um ar tão misterioso.
  2º Homem: é que perdi a perna esquerda.
  1º Homem: deus é sábio, restou a direita.
  2º Homem: é, mas ninguém acredita em saci.
  1º Homem: esquece. você gosta de mulher?
  2º Homem: principalmente depois de um scotch duplo.
  1º Homem: (em vários tons de voz) e trutas? e champignons? e roquefort?
  2º Homem: adoro bumbum de neném frito
  1º Homem: é um caso sério a falta de primavera.
  2º Homem: aqui as formigas adoram sangue. veja só como elas sobem pela sua garganta.
  1º Homem: não são formigas. são os verbos incandescentes da primavera inexistente.
  2º Homem: cuma é?
  1º Homem: (esforçando-se para tirar um papel do bolso) puta merda. como poesia é difícil.
  2º Homem: não blasfeme. afinal os relógios são todos repolhos.
  e a distribuição da fome é perfeita.
  1º Homem: escute lá o inatingível cristal de teu silêncio mortal.
  o que restou da sombra em teus cabelos. o futuro do mito
  bebo na morte.
  2º homem: puta que pariu. como dói.
  1º Homem: vou morrer. (morre)
  Anjo esfarrapado: (surgindo em meio a um esporro total)
  vá tomar no cu a morte e a mãe dela. mais um na ratoeira.
  2º Homem: os anjos andam muito duros. no hemisfério sul
  são meio caolhos. até aqui tudo bem.

                 Pano exageradamente devagar 


Jota Medeiros

cartas curtas
I
vem cá, seu pulha, não vai
me dizer que leva a sério
esses papos
crise do sujeito dadaísta
marginália contra beletrista
registro poético do antipoético
surrealismos beats concretismos
bestas ventriloquismos bostas
poesia é condensare
e outros mitos e bichos.
nunca sentiu o infinito
no cu de cada grito?

Do livro Ser Infinitas Palavras (poemas escolhidos & versos inéditos) Azougue Editorial. 2001

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