DE LAMELAS MARVÓTICAS
DE BELLO CHRISTIANE
Já contaram sobre civilizações soterradas,
Apenas um escombro imaginário nos confins
Dos quadros manifestativos, desmemoriáveis!
Já confabulamos sobre liberdade e revoluções!!
Quantas guerras narradas sem espanto,
Embelecidas por nobres e raras palavras!
Mas urgência urgentíssima se faz esta mais:
Haja apego às palavras que viajam d’além-mente
Inté questas manos esqueléticas, rochedos,
Mãos impuras, gesticulatórias obscenas, por ser
Vertido à noite, tornado mendigo à noite,
Goliardo fixo, perenizado de abismos e afãs!
A mão canhota segura o berro e a dor,
Perfeita refazendo os estragos segue
Rabiscando questo amparo solo inerte.
Ó regina sapiência! Distenda-me os dáctilos!
Canhestra mano distendida liricoide,
A destra mão domina fácil os escritos.
Assim o poliestilicissismo de evidências
Pensando a bel guerra engendrar
Num hermetismo espremido reescreve-se
A perenosa batalha do corposãomanamente.
Hajam cantares aticistas e afazeres solícitos
A clarear os descompassos dessas inermas cifras!
O ESTIO E A MEMÓRIA
Aroma de gramas aparadas e o cheiro de terra revolvida
A trair na memória que ‘té serenos remancham às terras do Retiro.
O astro que deu-nos vida, ceifa castigos,
Fomes encardem frágeis ossadas do que, possível, foram seres,
Hoje quase sombras tostadas, quase cinzas
Mascando cactos e bebendo lamas.
Enquanto noutros lados, aqui mesmo, onde de bucho cheio e suando minerais,
Não nos antojamos das sedes sociais nesta saciedade.
A COMÉDIA FINDA
Soam-me lamúrias, soam-me lágrimas
Tanto sorrir desgraças, comiseráveis
De fáceis alegrias em tempos de choro,
Em tempos de dentes a ranger...
Melhor seria emudecer, calar as faces
Impostas, cerrar os olhos lamentos,
As bocas em escancaros de alvos dentes:
Iras falsificadas, ódio devidamente encoberto...
Invertam-se as máscaras e, logo logo,
A barbárie, o depravamento, o destruir sonhos;
Desnudados das caras enrugadas ao alto,
Despencam os olhares, as bocas emurchecem,
E, onde antes houvera só sorrisos em estrondos,
Um trêmulo murmúrio, escuro gemido
E o crepitar de dentes refazendo a cena.
UM NÃO-CANÇÃO
Não, não abro aqui proposta promissora,
Já prometido fora erguer do sepulcro
Tantos bilhões de humanos aguerridos.
Revele-se que não há vida após morte;
Há vida aos vivos, aos mortos, morte;
Movimentam-se os vivos, os mortos se consomem.
Mas digo que nunca ninguém conseguiu saber
Quando vida e morte foram vistas assim
Tão solidárias!
Não, não proponho um canto clamoroso,
Só pretendo que o descante toque ouvidos.
Foram-se a muito as aladas palavras
Dar-se como gota em recipiente transbordante;
Logo toca a massa tremulosa, um bafejo,
Soma-se a partícula ao todo circundante;
Rolando em mesmas proporções, desprende
A correr, uma parcela idêntica e nova.
JÓ-ZÉ IMAGINANDO DIALOGAR COM DEUS
Pois o que vejo em meus irmanados,
Tão agregados quant’eu os vejo sou;
Se vejo que me veem com bons olhos,
Assim igualzinho me vejo a Eu; sendo
O que escrito inter linhas, o Eu mesmo
Que os meus manos mesmos somos.
Assim dizendo àqueles que fraternos
A mim mesmo digo-me, não me vendo Eu
O outro que somos, mas sendo apenas
Eu o mesmo outro, o mesmo mano,
Assim dizendo a mim me vejo o outro
Falando, e respondo sempre: - Irmão,
O que em mim vedes não me sou apenas,
Sou o que vós mesmo és, quase nada
À pena, sermentes do mesmo grande Eu!
Se é mal o que sempre vejo,
Mal nos somos constantes inertes
Boiadores no execrável das fezes
Do abismo! Não! Que não sejamos,
Pois por que queria Eu me ver
Atolado em porcarias, se o Eu
Donde parto indolo, a mim mesmo
Constante indica que se vejo bem
Mesmo o mal qu’outro implica,
Assim mesmo nos iremos perfeitos!
Não entendamos acabados, mas plenos
Planadores dos ideais humanos!
“- Eu sou, e te obrigo a escrita!
Publicai o que às tuas mãos
Movo, o que à tua mente indico,
O que aos sentidos teus inundo!
Certamente não és um vaso insólito,
Sim que és dos filhos meus um meritório!”.
JÓ-ZÉ IMAGINANDO AINDA
O que vejo de primeiro
São as marcas rafadas pela vida:
Um dente faltoso ou empenado,
Uma vistosa cicatriz,
Um tom tão fanho, verbo tão tosco;
E ninguém vejo com muita simplicidade:
Nem aleijos, nem inutilizações, não,
E não os caducos, os maltrapilhos,
Ou crianças gordas de solitárias;
São todos impressionantes,
E poderosos únicos, donos de maior dignidade;
São maiores e mais importantes
Que todos os títulos, que-fazeres
E bajulações...
BEBO POR BEBER, FUMO POR FUMAR,
Mesmo havendo aí só mera flexão verbal,
Fumo e bebo porque existo
e isso faço
- Conto uma lenda formativa
De época remota não tanto
Em que cartinhas davam novas
Além Atlântico que diziam
De povos que bebiam fumos
E sorviam mofos até caírem tortos
Ou, honradez, vomitarem tudo
Para tornar logo à beberragem;
E isso na maior simplicidade,
Sem ser bem nem malvadeza,
Não um vício combatido e tolerado,
Apenas o estar vivo, existindo a beber
E a oscilar sem base às pernas,
A vomitar muitíssimo e com gosto...
Vomitar, digo: a falar sem que haja haver,
Nem sentidos empolados, nem gagueiras,
Só os irmãos unidos a se rirem da droga
Que é o bronco mundo dos sentidos!
DE DOMINGOS E PASQUELAS
Pensemos... melhor: Digamos,
Talvez: Pensemos mais... quer dizer:
Pensemos apenas...
- Eis que na terra do poeta
Só sorrisos moram, porém não ouvidos...
Abdicar dos surdos-cegos, assim
Despensemos...
Pensemos, melhor, estejamos
Em sintonia: ligados... quer dizer:
Apenas vivos...
- Quando já os viajantes, por terras
Estrangeiras, não mais se saúdam
É sinal certo certo de guerras justas...
Não ligueis que sejam guerras...
Vivamos... melhor: bibamos,
Pois o cálice das dores é já pleno,
Eis pois chegado a hora
De tempos por tão longo esperados...
A hora... melhor: pensemos!
SOBREPOSTO AO NADA
Um irmão, cigano poeta,
Na folha branca cantou de índios
Iniciações de mudança, rito
Cantado assim segundo des-lembro:
- “Olha o luz olha o alvo
Olha a sol olha a lua,
Tresolha o sete-strelo.
Fala mansa à lua clara
Aquecidos solações
Mákánàkà bésàrè uê ô!”
Enpós o altivo, vermelho
Chefe dos gípcios, declarou-me
Príncipe... dispensei o adulado
Pré-penso a embolar que:
Melhor servo ser à casa real
Que deste mundo ser primado!
DE TRILOGUS
I - DESPERTO TORTO
Pois, poucas vezes que me sinto
Realmente vivo, fechados os olhos,
A imagem que de mim mesmo guardo
É a de um bonzo tosado
Vestindo linhos já não tão brancos...
II - MORTO DORMINDO
Pois vezes outras e talvezes
Aqui estando, arregalado de sustos,
Há dinheiro em meus poucos bolsos
E nos vestimos de nada...
...Obrigados!
III - TONTO LOUCO
Ia a lua, ia, vixe! Êita!
A lua balança oca,
A lua branca e suja,
Olha lá vai lái vem a lua!
YGARAPÉ MA’ ENDWASÁBYPE
Vai sereno vai aquele fio
D’água fria entanto turva.
Vai ganhando vai outros fios,
D’água que em queda acresce
Gota a gota se avoluma.
Vai correndo vai esse fio
D’água sempre turva.
Velho como ia vai o fio
D’água e se perder no abismo.
Ganha vida e muito brio
O fio d’água simples simples.
Vai sereno vai este fio simples,
Faz-se em mínimo o non-plus-ultra.
Vai sereno vai aquele fio
D’água simples, turva e fria.
“SEPTIMA DIE”
Neste dia fabuloso em que o de tudo obrador
No ócio gerador mergulha livre-pássaro
E sonha-se sonhado em possibilidades infinitas,
E sabe-se infinito nessas possibilidades:
Este dia simples...
É dia de descanso,
a vida eterna dos infinitos mergulhos.
E eu... mirando o mar por sob meu assomo,
descanso o ócio de meus dias todos neste dia.
DE NOVO, A ATLÂNTIDA
Há uma terra ensolarada em formação
No não-lugar de nossas tementes mentes;
Porto de todos, presente, imagem viva.
Suas imensas alamedas assimetricamente cortam
Quarteirões de paixão,
Todas a o uno ponto convergindo;
Radial ponto onde suntuoso luz o templo,
A praça de esplendor e de juízo.
PROMETEU!?
-Brasil: queimadas quase simultâneas
traçam o mapa da ilha crescente... às avessas.
Júpiter pulverizado de cometas
Quinze graus e um pouco lá a frente... quase Vésper.
Furacões na Novíssima Babilônia
E presentes explosivos aos Muhhamed,
E prejuízos duplicados em flamas, no limite humano
Simultâneos:
- Brasis; cerca de quatro milhões
de humanos de outras humanidades... serenados.
- E ao termo: guerras sem ter nem pra que
contagiam celerados e celebrados... morte em festa.
- E o ponto afluente: quem terá atirado
De primeiro, de primeiro à derrota... rolam.
E dominós...em cascatas.
- Tudo visto da cela preta
Pelo quadrado de luz
Que encandeia ao teto.
“- Você tem que conhecer a cela preta (...)
Você tem que carregar pedra pesada
Nessa cabeça raspada pra deixar de ser... ladrão!”
- ...
- Vênus e Júpiter enamorados pasmam...
- ...
ERAS CÓSMICAS
Ego remimotáribo nigredus aiñe’éng potár
Ego abá temimbo’é a’é juati’embó-apýnha et
Kurusú id est kurusá-gwasú sive santa joasába
Et opá joawsúba xé py’ápè igitur logos ojepébe
Topárába konipó toparára komonipó topára
Id est kanhembóra ropebypebýka nipó a’é
Opy’á - gwasú:
“Num princípio o verbo se viu no kaos
O grande estouro da galada universal,
Depois os hádrons, leptons ainda depois,
Foi a um segundo, depois três vezes dez na quinta
Veio a radiação e a vida dos mundos
Em desdobramentos muitos e ainda mais
E mais; até o fim desta noite ainda vamos:
A navegar contentes e cruzados no ungido,
Humildes em simplicidade.”
DE SPIRITUS DICIT
I
Ergue-se vozeante o Espírito, em positivo
“- Vê!! Só a luz é eterna e enseminadora,
Neste campo nada é movimento e parte
Sobre tudo isso, o que tudo é, é a mesma luz
E tem-se forma: deiformacionismo!
O ponto cada qual, que humanos são,
Está cada qual extaticizado a cada altura,
Cada átomo do espaço em cada uma direção,
E o sol por sobre todos ocupa sempre
O mesmo ponto inalcançável radioso.
Essa lá lama negra abaixo é sombra,
Como humanas sombras são movíveis,
Aquela, imóvel sempre, implica nada ser,
O sol é o foco e o que se antepara
É o mistério, o corpo circular que
Limita-se a atmosfera lumni-silenciosa.”
DE DE PROFUNDIS SERENATIO
sub rosa emendatio
ODE DE VERÕES
Deita despudorado o verão nos seus dias medianos
Um afago de brasas nos verdejantes cajueiros
Vitimados pelas cinzas e chagas civilizatórias.
Achegam-se bem-te-vis e outros pássaros do trópico
Assobiando prazeirosamente aos nossos ouvidos atentos
E cansados do insólito rumor da vida urbana sem sentidos.
Almoçamos tardiamente jantares, e bebidas tresnoitadas
Pacientam-nos via epifanias e semanas comuns em ócio.
Missas verdes voam em folhas pardo-ressequidas de novo ano,
Cuidadosamente destacadas e vividas por mãos gratas
De suaves seres que nos somos assomados, os três:
Mãe, Filho e Pai a percorrer o impermanente lastro
Na mesma cela libertária da mesma nave dos aflitos.
ODE PARA INVERNOS
E a todos: inverno;
O qualquer nenhum saber;
Até a folha à tarde
Se destaca, não esquecido
Calendário de afãs e esperança;
Já renovados os dias,
Já chuvas de felicidade
E reais cidadanias.
Até mesmo estes versos sutis
E bem mesmo a eufonia
Desta ode indica: inverno;
E um sopro frio corta
A bombordo desta nave,
Sudeste a noroeste,
Umedece vidraças as carroças
Quando canta um galo doido
Desorientado por não ser manhã;
Ou manhas de artifícios:
Guerrilhas de São João
E quadrilhas estilizadas,
E a saudável saudosa brejeirice
Imitada por humanos a beira
De milênio novo, novo
Século, já sopro de outras
Terras... e por todos:
Inverno, eu, banhando-me
Nas insondáveis profundezas
Deste açude divinal
Em que bailam estrelas
E formigam vidas e ilusões.
HAI-KATÚ
da 101 afoito
livrando lama à vereda
um homem ao sol
vento a pentear
o mar do canavial
ressoam meus passos
curvas ladeiras
cercas desbandeiras vivas
cerceando o mar
assovios, silvos, berros
a mata é ilha atlântica
lá abaixo: Katú
não me esperando
a merenda matutina
sabe já que vou
pra casa sem vida
digo eu boas noites-dias
Dona Nô responde
o Katú é assim:
ao centro o rio dá o nome
marginando: o povo
nomes reinventados
como se apelidam lembro
reinventados nomes
a escola escolho
os amigos nomeio tupi
dum lado e doutro
ojepé, mokõi
o professor às contagens
cansado forceja
onze horas suando
d’aula do domingo fim
canavial ou cana
um homem sozinho
no sombrio canavial
sobe e vai ladeira
UNS HAI-PUNX-KAI PLICADOS
PRÓLOGO
aranha no jacko
primeiro pentelho branco
sinais de trânsito
POGO
I
o pogo espoca
a roda gira esmurros
quieto o núcleo
II
moshes capinantes
os punx expelos dardos
brinca molecada
III
a marcha amorna
brasas às águas ardentes
espoca o pogo
SOM
zoombís elétricos
fiações farrapos e Cia.
lixo latadas
o dia todo chuva
o sabão Brilhante babando
moicano morto
(Sopa d'Osso, 1967, Brasil, sopadosso@hotmail.com)
Grande Sopa,
ResponderExcluirObrando sobre a urbe, urgindo-nos em valiosos poeises...
Grande abraço,
Paulo Furquia