Paul Klee |
“Quem é o Buda?
O bosque de bambu
No sopé do monte Chang-lin.”
O louco costuma quebrar as coisas
incomoda a ordem caseira
é necessário trancá-lo.
O imperador costuma polir os códigos
é uma honra recebê-lo em casa
imagine só ele conversando na intimidade.
As leis bloqueiam o louco
que bloqueia as leis.
O imperador não se abraça ao louco.
O louco não reconhece o imperador.
Cinco tiranossauros flutuam no entardecer.
Pollock |
patada peluda
Cena: dois trens da central do brasil carregados de operários acabaram de se engavetar mais uma vez. há pedaços de gente pra todo lado. O 1º homem conversa com o 2º homem, ambos presos nas ferragens.
1º Homem: você está com um ar tão misterioso.
2º Homem: é que perdi a perna esquerda.
1º Homem: deus é sábio, restou a direita.
2º Homem: é, mas ninguém acredita em saci.
1º Homem: esquece. você gosta de mulher?
2º Homem: principalmente depois de um scotch duplo.
1º Homem: (em vários tons de voz) e trutas? e champignons? e roquefort?
2º Homem: adoro bumbum de neném frito
1º Homem: é um caso sério a falta de primavera.
2º Homem: aqui as formigas adoram sangue. veja só como elas sobem pela sua garganta.
1º Homem: não são formigas. são os verbos incandescentes da primavera inexistente.
2º Homem: cuma é?
1º Homem: (esforçando-se para tirar um papel do bolso) puta merda. como poesia é difícil.
2º Homem: não blasfeme. afinal os relógios são todos repolhos.
e a distribuição da fome é perfeita.
1º Homem: escute lá o inatingível cristal de teu silêncio mortal.
o que restou da sombra em teus cabelos. o futuro do mito
bebo na morte.
2º homem: puta que pariu. como dói.
1º Homem: vou morrer. (morre)
Anjo esfarrapado: (surgindo em meio a um esporro total)
vá tomar no cu a morte e a mãe dela. mais um na ratoeira.
2º Homem: os anjos andam muito duros. no hemisfério sul
são meio caolhos. até aqui tudo bem.
Jota Medeiros |
cartas curtas
I
vem cá, seu pulha, não vai
me dizer que leva a sério
esses papos
crise do sujeito dadaísta
marginália contra beletrista
registro poético do antipoético
surrealismos beats concretismos
bestas ventriloquismos bostas
poesia é condensare
e outros mitos e bichos.
nunca sentiu o infinito
no cu de cada grito?
Do livro Ser Infinitas Palavras (poemas escolhidos & versos inéditos) Azougue Editorial. 2001
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