quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Francisco Mangabeira │Othelo (noite de febre)

   
      O poeta Francisco Mangabeira, nascido em Salvador no dia 8 de fevereiro de 1879 e falecido prematuramente em 27 de janeiro de 1904, deixou-nos obra singular, ainda hoje pouco conhecida. Seu livro Tragedia Epica (Guerra de Canudos) sairá em breve na coleção “Arquivo Decadente” pela editora Nephelibata. O poema abaixo (na ortografia antiga) foi colhido no livro Panorama do movimento simbolista brasileiro, vol. II, de Andrade Muricy.  [ B.S.]

OTHELO
(NOITE DE FEBRE)

Entrei, e vi um vulto horrifico e felpudo
            De guarda no portão...
Era negro... Pensei ver um escravo mudo
            Vestido de velludo
            Naquelle enorme cão.

Ao ver-me, levantou-se, e a cauda sacudindo
            Ciumento no ar,
Entrou pelo salão feerico, rugindo...
            Quando surgiste rindo
            Com musicas no andar.

A sala fulgurosa, ardente e purpurina,
            Cheia da luz do gaz,
Lembrava o inferno atróz onde o pavor domina
            Tú eras Proserpina
            E eu era Satanaz.

Quiz, tremendo de amor, ciume e desespero
            Possuir-te por fim...
Mas ouvi um rosnar enraivecido e fero...
            E o cão, como Cerbero,
            Olhava para mim...

Tremi, e recuei naquelle mesmo instante...
            Vendo, cheio de dor,
O cão lamber-te os pés, como um perdido amante
            E rosnar, anhelante,
            Babando-se de amor...

Tu cerravas de manso os olhos e o acholhias
            Emquanto elle, a gemer,
Roçava a cauda negra em carnes tão macias
            Que se tornavam frias,
            A suar e a tremer.

Tinhas febre, e teu cão ditoso delirava
            Cheirando-te a nudez...
Pois teu vestido branco ao chão já se arrastava...
            Tú eras sua escrava
            E elle teu rei talvez.

Cahiste a soluçar, e o cão libidinoso,
            Como um satyro vil,
Mordeu-te, e saboreou-te o amor quente e glorioso,
            Espojando-se ancioso 
            Em teu corpo gentil.

Ao ver-me, arreganhou os dentes com loucura
            Rosnando feio e atróz...
Tem receio do amor ardente que tortura,
            Oh Desdemona pura
            Teu Othelo feróz...

Pois, quando elle se ergueu, na sala um medo interno
            Senti nesta alma vã...
E vi-te Proserpina e ao teu Cerbero terno
            Expulsando do inferno
            A mim, que sou Satan.

                                         Manáus, 5 de Abril de 1902.

Um comentário:

  1. seis eh um xato num tem nada ver nu ki eu prokuro ninguem conhece a poesia baladas dele nao

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