Uma relação análoga à que existe entre poesia e filosofia aparece entre a poesia e o mito. A poesia tem sido criadora de mitos e foram os poetas os que converteram os mitos informes em poemas e obras de arte. Esta função da poesia não desapareceu em nossa época. A poesia tem rejuvenescido os mitos - Eliot em um extremo e, no outro, Joyce, para falar tão-somente de poetas de língua inglesa, ainda que também se possa citar Rilke, Apollinaire e outros.
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Antes de tudo: os mitos são realidades. O são de uma dupla maneira: em primeiro termo, por terem vida própria e, em seguida, por expressarem, quase sempre de uma maneira metafórica e cifrada, uma dada situação e que corresponde a todo o grupo social. Por exemplo: a bomba atômica reintroduziu na consciência moderna o antigo mito da extinção do universo. Nossa sociedade não é a primeira que teme o desaparecimento do mundo em um grande cataclisma. Recorde os aztecas, os estóicos ou os cristões do Ano Mil. Em quase todas as religiões figura uma revelação - um apocalipse - relativa ao fim do mundo. Esse fim pode ser definitivo, como no cristianismo ou no Islã, ou cíclico, como no budismo e entre os estóicos. O assombroso é que a sociedade do progresso e da ciência, precisamente através da ciência e do progresso, tenha descoberto, por sua vez, a velha imagem da destruição cósmica. A diferença com o passado não é menos reveladora que a semelhança: para os antigos, a catástrofe confirmaria a verdade da revelação, enquanto que para os modernos a explosão nuclear nega as suposições de nosso mundo: a razão, o progresso, a ciência. Também é assombroso que os poetas tenham dito sempre o que agora descobrem os psicólogos e os sociólogos: a presença da violência mortífera, agarrada às dobras da alma humana ou nas entranhas da sociedade. Voltamos a sentir como os antigos, mesmo que pensemos de uma maneira distinta. Isto quer dizer que em nossa imagem do fim do mundo há uma fratura: foi uma visão religiosa e agora é uma possibilidade filha da ciência moderna e da violência ancestral do animal humano.
[Trechos de "Poesía de circunstancias", entrevista concedida a César Salgado. Revista Vuelta # 138. México. Maio de 1988.]
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