Uma das paixões do poeta Luís Carlos Guimarães (RN/Brasil, 1934-2001) foi, sem sombra de dúvida, a tradução de poetas de língua espanhola. Desse fato nos dá testemunho o seu alentado volume 113 traições bem-intencionadas (EDUFRN, 1997). O título, irônico, faz graça com o afamado trocadilho traduttori, traditori [tradutor, traidor], largamente utilizado para referir-se às dificuldades da tradução. Foi provavelmente desse contato criativo com a poesia espanhola que surgiu o seu único poema escrito nesse idioma: este admirável Fábula de hoy. [MS]
FÁBULA DE HOY
En la claridad del día recién nacido
la línea de agua y espuma del mar
abaliza el horizonte.
Arriba, en los caminos del aire,
los pájaros y el rebaño de nubes viajeras.
Embozada en la noche que se fue
una copia de astros y estrellas.
Muy lejos en la infinita lejanía,
quién sabe Dios.
Entonces,
aquí en la tierra el hombre en la playa,
desgarrado en este grano de tiempo
y Dios en las colinas del cielo.
Los dos, solos, mirando tristes el mundo:
la criatura que dicen ser su obra.
Luís Carlos Guimarães
FÁBULA DE HOJE
Na claridade do dia recém-nascido
a linha de água e espuma do mar
demarca o horizonte.
Acima, nos caminhos do ar,
os pássaros e o rebanho das nuvens viajantes.
Oculta na noite que se foi
uma profusão de astros e estrelas.
Muito longe na infinita lonjura,
quem sabe Deus.
Então,
aqui na terra o homem na praia,
desgarrado neste grão de tempo
e Deus nas colinas do céu.
Os dois, solitários, olhando tristes o mundo:
a criatura que dizem ser sua obra.
Tradução de Márcio Simões
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