Capa de Ângelo Roncalli |
Já ouvi de João Antônio vários relatos de suas viagens e narrativas detalhadas do Maranhão, da região do Meio-Norte do Brasil e sua terra natal, das encantarias, dos crepúsculos, dos mirantes e dos rios, da magia e do Bumba-meu-boi. Gostaria de dizer que nossa amizade nasceu pela via sonora das guitarras do grunge, do grid, do hardcore, do punk e pós-punk e do metal.
Poeta viajante e comunicativo, costuma descrever suas viagens, descrever situações e fazer análises ligeiras sobre casos corriqueiros e inquietantes. Ao publicar o seu primeiro livro de poemas, Do Buriti ao Sangue (Sol Negro, 2020), vejo dentro da alma desse poeta a figura de um etnógrafo, pois poesia e etnografia parecem se misturar; não porque esse poeta esteve entre uma etnia longínqua, fazendo qualquer tipo de pesquisa, mas porque esteve deslocado dentro de sua identidade, formulando-se dentro da mata. Suas descrições da natureza parecem trazer o real, a aterrissagem no sentido de aterrar-se. A mata, a floresta, surgem, por exemplo, como “o licor do caos”, pois sabemos que o Caos precede a ordem e essa identidade descolada é ao mesmo tempo a busca do autoconhecimento.
Precisamos de experiências oníricas, somos seres imaginários por natureza, e, assim, a experiência poética (religiosa também) traz o significado e o simbolismo necessários para reorganizar nossa existência, já que fomos marcados pela violência colonial. A experiência com o “cipó dos mortos” nos faz enxergar a cruz, a violência, os túmulos dos indígenas sob a terra, imagens que se destacam nos poemas do livro.
Uma vez provei da bebida amazônica, Ayahuasca (um de seus nomes), também vi covas abertas e sem flores, imagens e signos nos quais o poeta mergulhou. Nós, humanos, nos orientamos por dualidades: dia, noite; sol, lua; yin e yang. Para os orientais e afro-brasileiros não há distinção nesta dualidade, enquanto que para certos raciocínios do Ocidente há o dualismo irreconciliável. As religiões afro-brasileiras e ameríndias, sobretudo na cultura maranhense, expressam as contradições sociais do choque colonial, anjos, indígenas, a mata e uma estética histórica, europeia.
A cidade de Caxias, evocada nos poemas, é reverenciada pela sua arquitetura de herança portuguesa, suas igrejas, pela Guerra da Balaiada. O poeta recorre à infância e a elementos da história do lugar para elaborar um discurso entre o saudosismo e a crítica. Temos a nostalgia da infância, do locus revivido.
Do “deus-sórdido” à Procissão do Senhor Morto, a aventura e desventura do poeta não o deixa largar sua religiosidade, construída na infância e depois eventualmente sacudida pela rebeldia. Que bom que o poeta João Antônio lida bem com a religião (re-ligare), quero dizer, ela não o marcou traumaticamente. E a morte percorre seus versos como signo maior de que o caos continua imperando entre suas memórias, viajante inquieto e solitário, pois eu o conheço, e é assim mesmo!
Nesse momento de crise política, nesse caos em que estamos vivendo, procuramos o encanto, recorremos à arte, a alguma revolução, recorremos a qualquer coisa que possa nos salvar, nos tranquilizar, mas não sabemos como nem o quê, recorremos aos movimentos, onde estão? Mas estamos vivos e a Poesia está presente em nossa vida, como força revigorante, para nos mostrar caminhos, fugas, saídas.
Professor e Mestre em Ciências da Religião pela UFPB
Treinel de capoeira Angola no grupo Angola Comunidade